quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Idoso burlado em cinco mil euros




Um idoso foi abordado numa rua de Tomar por três homens “bem-vestidos” e acabou por ficar sem cinco mil euros da sua conta, que levantou no interior de uma agência bancária em Lisboa, para onde o levaram. Em troca deram-lhe uma carteira cheia de papéis
.

Sentado na soleira da porta da sua casa, em Porto Mendo (Madalena, Tomar) encontrámos um homem completamente desolado, na passada segunda-feira, 28 de Janeiro. “Fui endrominado”, explicou ao nosso jornal Manuel Peres Nunes, 72 anos, pedreiro reformado, não conseguido conter as lágrimas enquanto nos confirmava ter sido alvo de uma grande burla.
Tudo aconteceu na sexta-feira, 25, pelas 10H30, quando estacionou a sua motorizada na Rua dos Arcos, em Tomar e se preparava para ir à Caixa Geral de Depósitos. “Estava em frente à farmácia da Misericórdia quando um indivíduo sai de um carro, olha-me com os olhos muito arregalados e pergunta-me se não conheço um construtor fulano tal”, começou por explicar ao nosso jornal.
Manuel Peres Nunes não sabe muito bem explicar o que se passou em seguida mas a conversa envolveu dinheiro e empréstimos monetários pelo que, pouco tempo depois, acabou dentro da viatura deste homem, que se fazia acompanhar por mais dois indivíduos, que aparentavam ter cerca de 35/40 anos, e seguiram em direcção a Lisboa. Antes, já lhes havia mostrado a sua caderneta onde os burlões verificaram que o idoso tinha depositado na conta cerca de 15 mil euros, fruto da poupança de uma vida inteira dedicada ao trabalho duro. O idoso só parou de trabalhar aos 70 anos para poder usufruir de uma reforma de cerca de 360 euros mensais.
Pelo trajecto os homens iam falando que necessitavam de dinheiro para mandar rezar “uma missa por alma a alguém” e mal chegaram à capital pararam numa agência da Caixa Geral de Depósitos, que o septuagenário não soube especificar qual era, e ali entrou acompanhado por um dos homens e pediu em seguida para efectuar um levantamento de cinco mil euros, dinheiro que guardou num envelope.
Os três indivíduos terão depois exigido o dinheiro ao idoso e, já com o envelope na mão, disseram-lhe para aguardar por eles ali na rua, que viriam mais tarde. Em troca deram-lhe uma pasta preta que diziam conter dinheiro mas que o idoso viria a descobrir que estava cheia de papéis. “Primeiro ainda lhes disse que não lhes dava dinheiro nenhum mas depois começaram a pressionar-me e comecei a pensar que ainda me matavam e acabei por lhes entregar o dinheiro todo”, contou muito triste por ter sido vítima de burla.
Sozinho na capital, “em jejum” e sem nada poder fazer, a Manuel Peres Nunes só restou almoçar “ com o dinheiro que tinha na carteira”, meter-se no comboio e regressar a Tomar, o que aconteceu cerca das 18 horas.
Manuel Peres Nunes optou por não fazer queixa na polícia. “Na polícia não podem fazer nada. Anda uma pessoa uma vida inteira a trabalhar para ficar sem mil contos desta maneira”, atestou com os olhos rasos de lágrimas.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Aluno chama “frustrado” a professor e acaba suspenso


Um aluno do 10.º ano da Escola Secundária Jácome Ratton, em Tomar, queixa-se que o professor de Economia o terá agredido no decorrer de uma aula que já não começou bem mas o Conselho Executivo nega a existência de qualquer agressão e justifica a suspensão devido a um acumular de situações de mau comportamento por parte do aluno.

O caso aconteceu na quarta-feira, dia 16 de Janeiro, pelas 16 horas.
O professor terá perdido as estribeiras quando o aluno o chamou de “frustrado” e empurrou-o para cima de mesa e uma cadeira, após o que este caiu no chão. De seguida, e segundo este aluno, os colegas solidarizaram-se com o jovem e foram, em grupo, explicar a situação ao Conselho Executivo, reunião onde o professor não falou por se mostrar muito nervoso com toda a situação, abandonando a escola em seguida.
Leandro Domingos, 19 anos, disse a “O Templário” que a aula de Economia “já tinha começado mal”, estando o professor muito exaltado desde o início da mesma e que este já tinha colocado “metade da turma na rua” por coisas mínimas ao que o aluno lhe terá chamado a atenção referindo que este comportamento só poderia advir do facto deste estar “frustado”. Chamado à atenção pelo professor, que lecciona naquela escola há 18 anos, Leandro Domingos terá voltado a insistir que o facto do docente mandar tantos alunos para a rua só poderia ser “frustração” e foi aí que a situação ganhou contornos mais graves.
“O professor, desde o princípio do ano, vem criando mal-estar na aula e manda toda a gente para a rua, por coisas mínimas. Nesta aula não consegui aguentar mais o professor assim e disse-lhe para ir ao psicólogo porque devia estar frustado ao que ele vira-se de costas e disse-me que dava um estalo”, contou o aluno. Após a ameaça de estalos por parte do docente o aluno voltou a ripostar: “Dá-me um estalo: isso é mesmo frustração”. Foi aí que, segundo o aluno, o professor virou costas e mandou-o para cima de uma mesa e cadeira, após o que ficou estatelado no chão.
Os alunos não podem bater num professor mas os professores podem agarrar num aluno e mandá-lo para cima de uma cadeira e não lhes acontece nada”, apontou outro aluno, primo do visado, revoltado com a suspensão do colega.
Leandro Domingos, aluno do curso de Informática de Gestão, é repetente do 10.º ano pela terceira vez. Vive com os avós nos arredores da cidade e é apontado pelos professores como um aluno com problemas de comportamento. Apesar disso, foi a primeira vez que foi suspenso. “Posso ter alguma culpa mas não acho que o que eu disse justifica o que ele fez”, remata o jovem.
Maria João Morais, do Conselho Executivo, explicou a “O Templário” que “não houve qualquer agressão” e que a suspensão do aluno resultou de “um acumular de situações”.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Coveiro de Tomar já foi rico


Em 1996 Carlos Manuel Ferreira Simões, coveiro municipal, fez um seis no totoloto. Passados dez anos “O Templário” quis saber o que aconteceu ao tomarense que um dia já foi milionário: gastou quase toda a fortuna na construção de uma vivenda e continuou a trabalhar como coveiro.

Fomos encontrá-lo no cemitério de Marmelais, onde trabalha há 20 anos. Combinado o trabalho para dali a dois dias, Carlos Simões, 41 anos, aceitou falar sobre o dia em que viu a sua vida mudar: 5 de Fevereiro de 1996. Tinha 31 anos e ganhou, na altura, mais de 23 mil contos no totoloto.
“Lembro-me desse dia porque andava a abrir uma cova para um senhor e, na lápide dele está lá essa data”, recordou. Em anos anteriores, Carlos Simões já jogava com mais 19 pessoas numa sociedade mas, por azar, desistiram da sociedade umas semanas antes de poderem vir a ser contemplados com o primeiro prémio. “Se tivéssemos continuado a jogar na sociedade, e com aquela chave, tínhamos feito um seis e o suplementar. Na altura, calhava-nos dois mil contos a cada um”, contou.
O episódio causou-lhe algum transtorno pelo que decidiu continuar a apostar na sorte grande, desta vez, sem sócios à mistura. Andou quase um ano a jogar sozinho até que chegou o dia em que foi bafejado pela sorte grande. “Tinha jogado com duas chaves de oito números e foi o senhor Zé que me viu os totolotos num café onde eu ia comer qualquer coisa, que ficava por detrás do cemitério velho, é que me disse que num deles eu tinha um seis… Depois demos um abraço”, recordou ao nosso jornal. Nesse dia ficou fora de si e, assim que pode, dirigiu-se à Papelaria Nova, em Tomar, onde tinha metido o boletim, para confirmar o que, até ali lhe parecia um sonho. “Na papelaria não me quiseram dizer nada mas mais tarde recebi um telefonema a dizer que tinha tido um seis e a perguntar se queria ir à televisão”, relatou-nos. Nessa semana o primeiro prémio foi dividido por Carlos Simões e mais cinco totalistas. “Naquele dia à noite, não tenho vergonha de dizer que chorei”, confessou.
Passaram 20 dias até que recebeu o cheque no valor de 23 mil e 600 contos. O patrão ajudou-o a tratar de arranjar o cartão multibanco. “Levei o cheque no bolso e dirigi-me à Caixa Geral de Depósitos na Alameda Um de Março para depositar o cheque e lembro-me que até o empregado ficou admirado com o cheque”, conta a sorrir.
Carlos Simões recorda também que, na altura, foi, na companhia de um colega, ao programa “Clube dos Totalistas”, apresentado por Carlos Ribeiro, onde contou a sua história. “Gostei muito de lá ir e fiquei com a cassette do programa para recordação”, refere. “Na altura brincaram comigo e perguntaram-me que tipo de noiva eu queria arranjar. Eu disse que tinha que ser trabalhadora, honesta e que me desse a volta à cabeça para me ‘rapar’ o dinheiro todo”, contou a rir.

18 Mil contos gastos na casa

A maior parte do dinheiro que lhe saiu no totoloto foi investido na construção da casa de que muito se orgulha e que hoje tem na Peralva. “Toda a gente gozava por comigo por causa de eu viver com a minha mãe numa casa velha e que, de ano para ano, se degradava mais pelo que eu já era para pedir dinheiro ao banco para as obras e decidi fazer uma casa nova, no mesmo local”, explicou. “Desde aí nunca mais ninguém gozou”, acrescentou. Uma alegria que deu à sua mãe, Maria de Jesus, entretanto já falecida. “O resto do dinheiro foi para o dia-a-dia e acabou por se gastar”, contou.
A vivenda que construiu – uma das que mais vista faz na pequena aldeia – tem 8 assoalhadas e cerca de 15 m2. É ali que actualmente vive com a mulher, Carla Subtil e com a pequena Maria Vitória, de 4 anos. Uma bonita família que não tinha quando lhe saiu a fortuna, dado que era ainda “solteiro e bom rapaz”.
Carlos Simões recorda que, depois de lhe ter saído o totoloto, houve muita gente que se aproximou dele para lhe pedir dinheiro. E também não faltaram “moças casadoiras”, subitamente interessadas nos seus belos olhos. “Houve uma que até disse à minha mãe que lhe fazia uma permanente de graça”, diz o ex-milionário. Carlos Simões não foi em cantigas e apenas deu 150 contos para a igreja da aldeia, para agradecer a sorte.
As pessoas admiravam-se de Carlos Simões continuar a trabalhar como coveiro e, ainda por mais, continuar a utilizar a bicicleta como meio de transporte. “Não ia deixar de trabalhar. Estava a construir uma casa e sabia que o dinheiro se estava a gastar”, afiançou. A construção da nova vivenda durou pouco mais de um ano.

A tentação do jogo

A nova casa já estava construída há 2 anos quando Carlos Simões encontrou o que ainda lhe fazia falta: uma mulher. “Casei com 34 anos, um mês depois de começar a namorar”, recordou. Conheceu Carla, que trabalhava num café das redondezas, e começou a falar com ela nas viagens de autocarro. Gostaram um do outro, deram um passeio até á praia e decidiram casar. “Eu não sabia que lhe tinha calhado o totoloto e que ele vivia numa casa assim”, contou Carla ao nosso jornal, revelando que ficou surpreendida quando viu a casa do noivo pela primeira vez. “Não estava nada à espera que ele tivesse uma casa assim na aldeia”, contou a jovem. Dois anos depois nasceu Maria Vitória, a menina dos seus olhos e que agora, com 5 anos, é a sua maior riqueza.
Carlos Simões continuou sempre a jogar no totoloto e houve semanas em que gastava mais de 15 contos em apostas semanais em jogo. “Chegou a calhar-me mais algum dinheiro na lotaria e deu para comprar o berço para a minha filha”, recorda. A mulher conseguiu convencê-lo, a muito custo, a não gastar tanto dinheiro no jogo, conselho que acatou de há uns anos para cá. Actualmente, continua a apostar, com mais um sócio, numa chave de totoloto porque, tal como outros que já foram bafejados pela sorte grande um dia, acredita religiosamente que o totoloto lhe vai sair outra vez.



Homem dos sete ofícios

Mesmo depois de saber que tinha sido um dos cinco portugueses contemplados com um seis no totoloto, Carlos Simões nunca deixou de trabalhar como coveiro, profissão que exerce sem interrupção há 20 anos. “É um trabalho que não me importo de fazer. Eu costumo dizer que eles não reclamam”, refere com humor.
Actualmente, continua a dirigir-se da Peralva, uma aldeia da freguesia de Pailavo, para o cemitério de Marmelais, em Tomar. Percorreu muitas vezes esta distância, cerca de 18 quilómetros, na sua bicicleta ou então de autocarro. Homem muito trabalhador, aproveita os fins-de-semana ainda para fazer alguns “biscates”, seja a limpar-chaminés, oliveiras ou a cortar lenha com um moto-serra. Porque um homem “tem que fazer pela vida” e há trabalhos que tem que ser feitos.

(publicado na edição n.º 938 do Jornal "O Templário" a 14 de Dezembro de 2006)

Mãe – coragem dá vida pelo filho




Ana Antunes escreve aos 23 anos a passagem mais delicada da sua jovem vida. Prepara-se para doar parte do fígado ao seu filho David, de 8 meses, a quem foi diagnosticada uma cirrose hepática. É a única maneira de salvar o seu menino. Uma história comovente que se passa numa aldeia do concelho de Ferreira do Zêzere.


Foi na pequena aldeia de Alqueidão de Santo Amaro que encontrámos Ana Antunes, a mãe que amanhã, 16 de Março, vai ser internada no Hospital Pediátrico da Universidade de Coimbra para submeter-se a uma delicada intervenção cirúrgica que vai salvar a vida do filho de apenas oito meses. Ana, de 23 anos, prepara-se para doar parte do fígado, um órgão que acabará por se regenerar naturalmente, para tratar a cirrose hepática de que sofre o bebé que deu à luz a 20 de Junho de 2005, depois de várias horas de trabalho de parto.
David Tiago é o primeiro filho de Ana e Nuno Miguel. O casal não planeou a gravidez que, no entanto, foi bem-vinda. “Nunca pensei que tivesse que passar por isto. Não foi uma gravidez planeada. Andávamos a tentar, se o bebé viesse… vinha”, começou por explicar a “O Templário”.
Uma gravidez de 40 semanas e 4 dias que a jovem ferreirense viveu sem sobressaltos nem angústias. “Foi uma gravidez normalíssima, sem problemas, nem enjoos”, atestou, salientando que só sofreu nas horas que antecederam o parto, no Hospital Bissaya Barreto, em Coimbra. “Estive muitas horas para o ter e teve que ser com ventosas”, explicou. Ali esteve com o bebé internada 4 dias, como é habitual em todas as recém-mamãs, até receber alta.
Os primeiros sinais da doença do David surgiram estavam duas semanas depois nascimento. “Começou-se a fazer amarelo e fiquei aflita. Fui ao Centro de Saúde, onde estava a ser acompanhada pelo médico de família, que me aconselhou a expor o bebé à claridade porque era icterícia e, em princípio, depois passava”, relatou. Mas, contrariamente à informação médica, o problema não só não passou como se foi agravando cada vez mais. “Passou um mês e sete dias, vi que ele estava cada vez mais amarelo pelo que fui à pediatria do Hospital e ali disseram-me que era hepatite”, recorda Ana Antunes. Uma notícia que quase fez ruir o seu mundo. “De hepatite a doença evoluiu para cirrose e agora só o transplante o salvará”, lamenta.
Questionada sobre as causas desta doença no seu filho, Ana Antunes, que também procurou saber o mesmo refere que a médica lhe adiantou uma explicação mas que até pode nem ser a real causa da doença. “Disseram-me que os bebés tanto vão buscar células boas como más… ele foi buscar as más”, refere.


Operação delicada


Quem observa o pequeno David Tiago a dormir serenamente, enrolado a um cobertor, não se apercebe que sofre desta doença. “Ele é um bebé que sempre foi muito mexido. Se ouvir vozes olha logo na direcção do som e quer agarrar nas coisas, apesar de não ter forças nas pernas nem nos braços porque o corpo quando não tem proteínas suficientes vai buscá-las a esses membros. Mas de resto quem olha para ele diz que é um bebé normal e que não tem doença nenhuma”, conta enquanto olha para o rebento.
A jovem mãe está consciente do risco de vida que ambos correm mas não pensou duas vezes assim que a médica a informou que era dadora compatível e lhe perguntou se queria dar parte do fígado ao filho. “Quando esteve internado esta última vez, entre 31 de Janeiro e 27 de Fevereiro, a médica disse-me que ele, para se salvar, tinha que ser transplantado o mais rapidamente possível. Perguntou-me qual era o meu grupo sanguíneo, fiz todas as análises e exames necessários e, já depois de ter os resultados, a médica conversou comigo. Depois disse-me que eu era compatível e perguntou-me se podia doar um pedaço do meu fígado para o salvar. Eu disse logo que sim porque sei que o meu filho não pode estar mais tempo na lista de espera porque a situação agrava-se muito mais”, relatou Ana Antunes ao nosso jornal. “Sou mãe e quero que ele continue com a vida dele para a frente”.
No dia 16 de Março, Ana Antunes, vai ser internada no Hospital pediátrico de Coimbra, único local do País onde se realiza este tipo de transplante, para tentar salvar a vida do seu filho. “Ainda não sei a data da operação, mas a partir desse dia pode realizar-se a qualquer momento”, disse. Ana está consciente de que será uma operação delicada e que a taxa de sobrevivência de pacientes sujeitos a transplante com dador vivo é superior a 90 por cento. “É uma operação muito delicada, muito morosa e tem vários riscos associados, como a possibilidade de se dar um derrame – é bom a gente nem pensar nisso. Há também o risco de ele rejeitar o fígado, já depois da operação. Era bom que não, que tudo corresse bem”, desabafa, revelando-se uma pessoa positiva.
Uma luta que já conheceu um primeiro ensaio a 7 de Março, quando Ana Antunes se deslocou aos Hospitais da Universidade de Coimbra para ser internada. “Mandaram-me para casa mais uma semana para que ele ganhasse mais forças mas eu não me importava de já ter ficado lá e fazer a operação no outro dia. Para mim quanto mais depressa ele fizer a operação melhor”, referiu.
“Há muita gente que chega aqui ao pé de mim, para me dar apoio, e chora. Não chorem. Lutem pela vida, como eu estou a lutar pela vida do meu filho”, reforça esta mãe – coragem.

(publicado na edição n.º 951 do Jornal O Templário a 15 de Março de 2006)

Antonieta já tem um computador



O sorriso de Antonieta abriu-se mais ainda desde que, no passado dia 29 de Março, recebeu um computador e equipamento informático perfeitamente adaptado às suas necessidades específicas. A jovem sente-se agora mais ligada ao mundo exterior.


Antonieta Monteiro, a jovem que sofre de esclerose múltipla, doença para a qual ainda não existe cura, e mora na povoação de Hortinha, na freguesia da Junceira, já tem instalado em casa o tão desejado computador com acesso à Internet. Um sonho concretizado com a ajuda da Associação Cultural, Desportiva e Recreativa da Serra que ficou a conhecer a história desta jovem através das páginas do nosso jornal (trabalho publicado a 29 de Novembro de 2006) e promoveu uma subscrição de fundos com vista à aquisição deste computador, perfeitamente estudado para ser adaptado às necessidades específicas da tomarense. Á onda de solidariedade aderiram, segundo Abel Oliveira, presidente da associação, muitos anónimos, leitores do jornal e emigrantes tomarenses.
“Fiquei tão entusiasmada no dia que vieram cá montar o computador que até fiquei com os músculos do pescoço paralisados”, começou por explicar ao nosso jornal no dia em que a voltamos a visitar em casa dos pais.
“Foi no dia 929 do meu “exílio” que veio cá a D. Lurdes e o Sr. Abel (da Associação Cultural da Serra) e o António (da empresa informática Mega PC) e eu fiquei ali, no canto do meu quarto, a ver a montagem do equipamento”, disse-nos. Nesse dia, uma quinta-feira, não teve oportunidade de mexer no computador porque o entusiasmo provocado pela oferta, e a conversa com as visitas, a cansou em demasiado. Mas no dia seguinte tratou logo de configurar o ecrãn de 21 polegadas ao seu gosto (definindo como fundo a fotografia de duas árvores) e de começar a adaptação à trackball (que substitui o rato) e que está a ser feita lentamente.
Antonieta tem agora muitos sonhos e projectos que quer concretizar. Um deles passa pela escrita e talvez pela publicação dessas crónicas num jornal, textos que pode escrever em casa e enviar através de e-mail, ferramentas que domina na perfeição, não tivesse ela formação superior em informática de gestão.
Com a oferta deste computador – que muito agradece – a jovem fica agora com um encargo mensal de 30 euros por mês, dado ter que pagar a assinatura do serviço de Internet. “Vai-me custar a pagar a Internet, cerca de 30 euros por mês, mas tendo em conta o que já me ofereceram, e que sei que não é nada barato, já foi muito bom”, indicou. “Sei que por vezes podem achar que tenho falta de modéstia mas eu sou mesmo assim. Quero é que fiquem a saber que estou mesmo muito agradecida a todos os que me ajudaram a ter este equipamento”, acentuou. “Espero passar agora a ter mais qualidade de vida. Eu não vou morrer amanhã, nem depois de amanhã, nem daqui a uns anos… pelo que gostava de trabalhar de vez em quando”, disse.
Quando lhe perguntámos se estaria disponível para um dia poder desenvolver aquilo que se chama tele-trabalho, a jovem mostrou-se realista: “A minha especialidade neste momento é o trabalho voluntário…Vou dando um passo de cada vez… neste momento ainda não me posso comprometer e assegurar o cumprimento de um horário de trabalho”.
Para o próximo dia 22 de Abril está agendada a entrega simbólica do equipamento a Antonieta Monteiro, um acontecimento a ter lugar na sede da Associação Cultural, Desportiva e Recreativa da Serra. Um momento que retrata a felicidade de alguém que, sendo tão jovem e sofrendo de uma doença incurável, conseguiu voltar a ter a capacidade de sonhar, algo que pensava já ter perdido.



Da Hortinha para o mundo
“Sinto que morri para o mundo” era o título da reportagem que “O Templário”, publicou em Novembro do ano passado. Na ocasião, e quando perguntámos à jovem como fazia para preencher o vazio dos seus dias, Antonieta disse-nos que “não fazia nada” uma vez que da Hortinha para o mundo não existia qualquer ligação.
Foi então que indicou que se tivesse um computador convenientemente adaptado às suas dificuldades talvez lhe fosse mais fácil sobreviver à passagem dos dias. “Tenho saudades da informática, de mexer num computador…”, confessou na altura.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"Sinto que morri para o mundo"


Antonieta Monteiro sofre de esclerose múltipla

É uma jovem de sorriso aberto que nos recebe à porta de casa, na Hortinha, uma povoação isolada na freguesia da Junceira. Aos 32 anos, Antonieta Monteiro tem uma força invulgar face à partida que a vida lhe pregou: uma doença que a vai minando progressivamente e que para a qual a ciência ainda não descobriu a cura. Apesar de sentir que “morreu para o mundo e ninguém parecer importar-se com isso” o sorriso de Antonieta dá-nos a todos uma lição.

Se existem histórias de vida que impressionam até quem está habituado a ouvir histórias todos os dias, a de Antonieta Monteiro é uma delas. “Sou uma pessoa estranha... sinto que não sou nem nunca fui como as outras pessoas”, começa-nos por avisar, antes de contar como foram os últimos 11 anos da sua vida.
Antonieta era uma jovem como todas as outras quando, aos 21 anos, tudo mudou. Estava a terminar o bacharelato em Informática na Escola Superior de Gestão de Santarém e tinha acabado de regressar de Inglaterra onde tinha participado no intercâmbio Erasmus quando surgiu o primeiro de muitos surtos que a doença provoca. “Fui perdendo a visão gradualmente até deixar de ver... depois recuperei”, contou-nos. Esclerose múltipla foi o diagnóstico inicial que depois outros surtos iriam confirmar. Mesmo assim, conseguiu no ano seguinte terminar o bacharelato. Trabalhou numa loja de informática em Tomar e chegou a dar aulas. Depois pensou em candidatar-se ao ensino. “Para ter hipóteses de entrar no ensino sabia que tinha que tirar a licenciatura e por isso, mesmo com a doença, inscrevi-me”, refere.
“Esta é uma doença incurável do foro do sistema nervoso central que nos vai destruindo gradualmente”, descreve a jovem que confessa ter, actualmente, alguma dificuldade de se concentrar. Coisa que não se nota no seu discurso fluido e simpático, onde as palavras saem sem enganos. Apesar de também confessar que ali, no lugar de Hortinha, não tem muita gente com quem falar. “Passo os dias a falar com as plantinhas mas eu costumo dizer que elas não me respondem”, conta-nos a sorrir para depois dizer o que lhe vai na alma: “As pessoas não esperam que alguém na minha situação ainda tenha humor e diga piadas mas eu costumo dizer que sou do contra.... Não sei como ainda não endoideci aqui no exílio”.
O exílio, como lhe chama é a casa dos pais onde diz estar há 810 dias. Porque Antonieta conta os dias. Os dias desde que deixou Santarém, já no último ano da licenciatura de Informática a duas cadeiras de concluir o curso. “Nos serviços de Acção Social do Instituto Politécnico de Santarém acharam que eu já lá andava há muito tempo e cortaram-me a bolsa de estudo e o alojamento. Como o dinheiro não nasce no chão, não pude estudar mais. Pensava que vinha passar um mês a casa (o mês de Agosto durante a qual a residência de estudantes está encerrada) mas acabei por ficar no exílio”, contou
Com 25 anos e depois de muitos surtos começou a depender de uma cadeira de rodas ou “veículo” como lhe prefere chamar. “A escola comprou esta cadeira de rodas monitorizada... foram espectaculares comigo”, refere.
Mas de que lhe vale ter a cadeira de rodas se, à sua volta, não há infra-estruturas adequadas, pergunta. “Eu aqui não posso sair de casa e, mesmo que saia, vou para onde?... Em Santarém ainda aterrorizava os carros (risos) quando me deslocava na cadeira de rodas mas aqui nem isso posso fazer”, diz-nos. Ali, na povoação de Hortinha, não passam carros. Ali não passam pessoas. Ali nada acontece.

Um computador para a ligar ao mundo

Quisemos saber como faz para preencher o vazio dos dias. A resposta surpreende. “Não gosto de ver televisão e tenho dificuldade em ler porque a vista treme-me muito... mas não estou o dia todo parada, na cama, como se calhar devia estar”, refere.
Da Hortinha para o mundo não existe qualquer ligação. Se tivesse um computador – que deveria ser convenientemente adaptado às suas dificuldades – talvez lhe fosse mais fácil. “Tenho saudades da informática, de mexer num computador, apesar de ter um problema com as minhas mãos que gelam tanto que às vezes não as consigo sentir”, confessa. “Teria que ter um monitor grande e talvez o rato tivesse que ser substituído por uma dragball... eu teria que o experimentar primeiro”, adianta.
Mas nem é o computador o que mais falta faz na vida de Antonieta Monteiro: “É a falta de interacção social, de conversar com as pessoas... Sinto que morri para o mundo e ninguém parece importar-se com isso”.
Actualmente, Antonieta Monteiro “sai do exílio” uma vez por mês. “Vou fazer acupunctura a Tomar. Sinto que está a dar alguns resultados”, conta. É nessa vez que sai que mata saudades do mundo. “Esse dia tem que ser muito bem aproveitado”, diz a sorrir. Pragmática, a jovem lamenta a falta de acessos para as pessoas que necessitam de uma cadeira de rodas para locomoção que existem nos vários edifícios da cidade. “Faz-me confusão que em Tomar não existam infra-estruturas adequadas aos utilizadores cadeiras de rodas. É incompreensível, por exemplo, que o espaço Internet e a biblioteca municipal – espaços que se destinam para o público, não tenham rampas para deficientes. Acho estranho como é que ninguém pensou nisso”, desabafa.
Actualmente a jovem diz que já não tem sonhos. “Não há condições para sonhar”. Antonieta é assim. Chama os bois pelos nomes. Diz que há quem não goste que ela seja assim. Mas a sua forte personalidade é algo que não consegue esconder. “As pessoas não me compreendem mas, eu mesmo assim, vou continuar a ser como sou”. E mantém o seu sorriso franco e aberto. Mesmo quando todos estivessem à espera que passasse os dias a chorar.

O que é a Esclerose múltipla
A Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória crónica, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central que interfere com a capacidade do mesmo em controlar funções como a visão, a locomoção, e o equilíbrio, entre outras. Denomina-se Esclerose pelo facto de, em resultado da doença, se formar um tecido parecido com uma cicatriz, que endurece, formando uma placa em algumas áreas do cérebro e medula espinal.
Denomina-se Múltipla, porque várias áreas dispersas do cérebro e medula espinal são afectadas. Os sintomas podem ser leves ou severos, e aparecem e desaparecem, total ou parcialmente, de maneira imprevisível. É desmielinizante porque há caracteristicamente lesão das bainhas de mielina que envolvem as fibras nervosas, como se refere adiante. É degenerativa porque surge também lesão da própria fibra nervosa, por vezes irreversível.
A Esclerose Múltipla continua a ser um dos mistérios da medicina, não é uma doença evitável ou curável, embora neste momento já existam medicamentos que, apesar de não curarem, modificam de forma benéfica a sua evolução.

(publicado no Jornal O Templário)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Uma mulher que não se mede aos palmos


Mora na Torre, freguesia de Casais, uma das mulheres mais baixas de Portugal. Maria Rosa Lourenço, carinhosamente apelidada pelos habitantes daquela aldeia como “Rosita” tem 76 cm de altura mas uma garra fora do comum. E foi sem complexos que falou com “O Templário” desvendando que a sua baixa estatura não é entrave para que todos os dias tome conta da Mariana, a sobrinha-neta de 20 meses e que, curiosamente, já é mais alta do que ela.


Foi na sala de casa da sua irmã, onde vive na Torre, que nos pusemos à conversa com Maria Rosa Lourenço, de 51 anos. Apoiada com a bengala, a nossa entrevistada sentou-se no seu banquinho e a conversa fluiu durante mais de uma hora. Uma conversa franca e agradável onde nos deu a conhecer o seu dia-a- dia.
Há várias características que saltam à vista nesta mulher que derivado a uma doença congénita - devido ao facto dos pais serem primos em primeiro grau – só cresceu até aos 76 centímetros de altura. A boa memória, o discurso com detalhes, a vivacidade do olhar aliada a uma grande simpatia fazem dela uma excelente interlocutora.
É a filha mais nova de cinco irmãos (três já falecidos), e a única que nasceu com problemas, facto que levou a mãe, “Ti Beatriz”, actualmente de 84 anos, a tentar protegê-la do mundo exterior. “Havia aquelas ideias tontas dos pais antigos de que se os filhos não estivessem com eles podiam morrer pelo que só fiz a 4.ª classe porque uma professora da minha irmã mais velha (D. Laurinda) insistiu muito com ela e lá fui”, explica.
Actualmente lamenta que já não consiga movimentar-se como dantes, fruto dos 18 quilos que engordou nos últimos dez anos (actualmente pesa 52 quilos quando devia pesar 34 kg) pelo que evita sair de casa. “Ainda no outro dia a minha sobrinha convidou-me para irmos andar uma volta aqui mesmo na terra mas eu disse que não. Quando saio tem que ser numa cadeira de rodas porque já me custa muito andar. Sei que devia ter mais cuidado com a alimentação mas há dias que como mesmo muito pouco”, acrescenta.
Mas não é isso que a impede de tomar conta da pequena e enérgica Mariana, a sobrinha-neta de 20 meses, fazendo-o desde os 4 meses de idade desta. “Já tinha tomado conta da mãe dela, a minha sobrinha Tânia que vai fazer 30 anos, até ela ter entrado para o jardim-escola e agora estou a tomar conta da filha”, revelou.
E Rosita faz tudo o que qualquer pessoa que toma conta de uma criança faz, desde mudar a fralda até dar a papa. E fá-lo bem porque quem olha para a doce Mariana para além de ver uma criança bonita, vê uma criança muito esperta e desenvolvida para os seus 20 meses.
Madrugadora, Maria Rosa acorda todos os dias às 06h40 para cuidar das suas galinhas. “Quando a Mariana aqui chega já tenho tudo tratado”, conta. “Faço tudo o que qualquer pessoa faz. Pego nela e ponho-a na cadeira para lhe dar o comer. Aqueço a comida no microondas que está em cima de uma cadeira. Mas quando era mais bebé eu é que a deitava no sofá ou na cama”, disse. Com quase dois anos, a pequena tem uma energia fora do comum e por isso, tal como qualquer outra criança, tenta subir para cima das mesas e até da máquina de lavar mas, até agora, Maria Rosa conseguiu, até agora, impedi-la sempre e tudo tem corrido bem. “Estou sempre em cuidados porque sei que tenho certas limitações… Mesmo quando ela está com a mãe estou de olho nela e estou sempre a avisar para ela ter cuidado”, esclarece.
Em relação à a sobrinha-neta, o seu amor e dedicação é mais do que evidente. “É muito querida e meiguinha e, apesar de pequenina penso que a Mariana já compreende as minhas dificuldades. Vai-me buscar a bengala se vê que a deixo cair e o meu banco e acho piada como é que ela já entende isso”, refere. “Fazer disto profissão, ou seja, se alguém me pagasse para fazer isto (cuidar de crianças) eu acho que não queria”, refere apesar de sentir que a menina ainda não tem a noção que tem uma tia muito pequenina.
“Tenho que andar sempre atrás dela. Agora, estou o dia todo com ela e isso requer muita energia mas faço com gosto”, diz. “Á tarde vou um bocadinho com ela para a varanda para nos distrairmos um bocadinho mas tenho receio porque se ela foge para a rua eu não a consigo apanhar… porque ela já corre mais do que eu”, diz.

Más-línguas não a perturbam

A viver numa terra com poucos habitantes, Maria Rosa sabe que nem todos vêem com bons olhos o facto de uma anã tomar conta de uma criança. Há, por isso, algum preconceito e má-lingua a circular mas isso não a afecta. “Ainda no outro dia vieram-me dizer que a Mariana ia para uma ama e a minha sobrinha não me tinha dito nada. Á noite até brinquei com ela sobre o assunto”, refere. Também um outro habitante da Torre insinuou que a criança poderia não estar tão desenvolvida como as outras meninos por estar a ser criada por ela.”Sei que o filho dessa pessoa ainda diz menos palavras do que a minha Mariana por isso não é por causa dela estar comigo que desenvolve menos”, aproveita para esclarecer, acrescentando que não liga a comentários preconceituosos.
Maria Rosa Lourenço demonstra ter uma personalidade forte e tenta fazer uma vida o mais normal possível. Em sua casa, todos os móveis e objectos são de dimensão normal e até a casa-de-banho ainda não sofreu alterações por causa da sua estatura embora no futuro a irmã preveja fazer algumas obras e fazer um “polivan” para lhe ser mais fácil tomar banho. Actualmente já não faz a lida da casa mas quando se podia mexer melhor fazia de tudo em casa, desde aspirar pó a lavar roupa no tanque. Apesar de tudo vai vivendo como melhor pode e sabe. E a sobrinha-neta Mariana empresta-lha muita cor aos dias. Por tudo isto, Maria Rosa Lourenço, a “Rosita da Torre” é uma mulher que, definitivamente, não se mede aos palmos, dando uma lição de vida a muita gente que, por muito menos, desiste de lutar pela sua felicidade.

(publicado no Jornal O Templário)

Notários beneficiados com privatização



No dia 5 de Setembro, os cartórios abriram as portas à comunicação social regional. “O Templário” visitou os dois cartórios notariais de Tomar e entrevistou os seus responsáveis: José Sá Marques de Carvalho e Paula Viegas Ferreira. Ambos foram unânimes num ponto: a privatização só trouxe benefícios, quer para o notário quer para o utente.


Quem entra num cartório notarial vê sempre muita gente. O de José Sá Marques de Carvalho não é excepção. A funcionar na Rua das Carrasqueira desde 2005, o notário faz um balanço positivo da privatização do seu cartório, que emprega actualmente 8 pessoas. “A actuação notarial não perdeu as suas qualidades e penso que o cidadão, neste momento, não tem razões de queixa dos cartórios notariais, quer em termos de instalações, quer de disponibilidade das pessoas”, aponta. Para o nosso interlocutor “há, neste momento, uma relação mais pessoal dos utentes com os funcionários uma vez que o balcão, que seria a barreira psicológica entre o utente e o funcionário, desapareceu. Julgo que as pessoas, de uma maneira geral, estão mais satisfeitas”, apontou o notário.
Para José Sá Marques de Carvalho, também os serviços são agora realizados de uma forma mais célere. “Actualmente existe a possibilidade de comunicarmos com as repartições públicas via Internet e comunicação electrónica o que permite que o notário, no mesmo local, possa encaminhar rapidamente as pessoas sem ter que se deslocar aos serviços”, aponta. Com 24 anos de experiência, primeiro no público agora no sector privado, José Sá Marques de Carvalho aponta que o notário tem uma função neutral. “É um profissional de direito que tenta gerir os interesses das duas partes. É um mediador devidamente credenciado que, no acto de um negócio, garante que as duas partes estejam devidamente informadas daquilo que vão fazer”, refere, feliz com a profissão que escolheu para a sua vida e que lhe permite, de certa forma, facilitar a vida ao cidadão e resolver-lhe os problemas com rapidez numa altura em que tempo é algo que não sobra muito às pessoas.

Gestão privada com regras

Desde Janeiro de 2007 que a advogada Paula Viegas Ferreira passou a vir todos os dias de Coimbra para Tomar. Foi nessa altura que abriu o cartório notarial, com o mesmo nome, na Rua de Santa Iria, em Tomar, actividade da qual faz um balanço positivo. “Acho que as pessoas gostam dos serviços que quer este, quer o outro cartório prestam”, refere. Os benefícios de um cartório privado são, para a nossa interlocutora, vários. “Como notária só tenho experiência do privado… mas tenho experiência como utente dos cartórios públicos que tinham a desvantagem logo à partida de, por exemplo, da falta de meios. Actualmente os cartórios têm uma gestão privada com regras e é assim que eu acho que devem continuar. São-nos impostas pelo governo certas normas de funcionamento para assegurar que o serviço é prestado com qualidade e em cumprimento com a lei”, aponta a notária.
“Neste momento é possível marcar escrituras de um momento para o outro e nada disto era possível no público. Aliás, o que faz com que os processos demorem tempo não são os cartórios mas sim os outros serviços de que se depende para fazer uma escritura como, por exemplo, as licenças de utilização, as fichas técnicas, etc.”, aponta Paula Viegas Teixeira.
Em relação ao programa de Internet “Casa Pronta” lançado recentemente pelo governo, Paula Viegas Teixeira refere que este serviço tem sido divulgado de forma “enganosa” pois esta operação tem custos mais baratos se for realizada num cartório, conforme de dispôs a fazer uma simulação. “As pessoas vão-se aperceber que se vierem a um cartório são melhor atendidas e sai-lhes mais barato este serviço do que se o fizerem pela Internet”, referiu.
Para Paula Viegas Teixeira, um notário é alguém que se assegura que ambas as partes envolvidas num negócio têm conhecimentos total daquilo que estão a fazer. “Nós somos imparciais e é isto que nos distingue dos solicitadores que, por obrigação, tem que defender o seu cliente não podem ser equidistantes. Além disso, nós somos um jurista muito acessível à pessoas… o notário já não é aquela pessoa que está distante do utente, escondida num gabinete”, remata.



Histórias de Notários
Papéis em sacos de plásticos e alterações de testamentos
Pedimos a cada um dos nossos entrevistados que nos contasse uma situação engraçada ou que, de certo modo, os tivesse marcado.

José Sá Marques de Carvalho recordou o dia em que lhe entrou pelo Cartório adentro um casal de velhotes que carregavam uns sacos de plásticos cheios de papéis. “A papelada era tanta que penso que nem eles sabiam o que é que queriam… Despejei os sacos e analisei papel por papel até conseguir descobrir o que é que eles queriam afinal”. Uma situação engraçada que compreende perfeitamente dado ser da opinião que as pessoas não são obrigadas a saber mexer neste tipo de documentos. “Essa pessoa (que hoje tem alguma relevância em Portugal), veio-me dar os parabéns por ter conseguido desembrulhar a situação”, contou.
Já as histórias relatadas por Paula Viegas Ferreira têm outro cunho. Uma situação, por exemplo, que a marca muito passa por pessoas que ali vão e nem sequer sabem assinar o nome. Mas aquela que a choca mais passa pela quantidade de pessoas que ali se deslocam para alterar o testamento.”Choca-me muito a quantidade de testamentos que as pessoas vêm alterar porque os beneficiários não trataram delas. É uma coisa que acontece frequentemente… e então neste último Verão foram muitas as pessoas que aqui vieram para revogar o testamento. É sinal que a nossa sociedade está a ficar desumanizada. Não se esquece logo”, confessa.


(publicado no Jornal O Templário)

Centro histórico de Tomar sem viv’alma



Os centros históricos das cidades estão cada vez mais desertificados. A falta de estacionamento, a existência de prédios desabitados e o encerramento de muitas lojas contribuíram para afastar as pessoas das ruas antigas da cidade. Tomar não é a excepção à regra e, ao fim-de-semana, pouca gente se vê nas ruas.

“Abro a loja ao sábado à tarde mas nas ruas não se vê ninguém. Os pais vêm aqui passear com os meninos à Praça da República mas é só…”. O desabafo é do gerente da Nova Mobiladora Manuel Antunes, localizada na Rua Silva Magalhães, em pleno centro histórico de Tomar. “Esta zona está esquecida devido às políticas da câmara e porque não há uma união de comerciantes…Se fossemos unidos tínhamos força”, refere Manuel Mendes Antunes, que atribui parte da culpa desta situação à forma como a autarquia reorganizou o trânsito nesta parte da cidade. “Eu sempre fui contra fecharem o trânsito na corredoura e sinto que desde que o fizeram que o negócio ficou mais fraco”, refere, salientando que, na altura, quando a ACITOFEBA convocava reuniões para debater o problema não aparecia ninguém para participar.
Na sua opinião só a abertura de uma rua que permitisse o trânsito subir para o centro histórico é que faria com que as pessoas voltassem a movimentar-se no centro histórico.
Sebastião Nobre, arquitecto na câmara municipal de Tomar e um dos poucos moradores da Praça da República, reconhece que a desertificação dos centros históricos tem vindo a aumentar, muito por culpa do desenvolvimento da própria economia. “Isto acontece com todas as cidades de Portugal. Penso que, nos últimos dez anos, o centro histórico de Tomar perdeu cerca 2/3 dos seus habitantes. Isto também tem a ver com a questão do direito da propriedade. As casas que aqui estão não são recuperadas porque têm muitos herdeiros, ou seja, é de todos mas ninguém habita nelas, nem existe preocupação em investir nelas ou em arrendá-las”, explica o arquitecto que também aponta culpas ao rigor excessivo dos planos directores municipais (PDM’S). “Os chamados planos de salvaguarda prejudicaram o desenvolvimento dos centros porque não dão liberdade ao proprietários para fazer as obras que entenderem, ou seja, existe uma “carga” ditada pelos PDM’S e pelos planos urbanísticos e, caso não sejam encontradas soluções para isto, os núcleos morrem”.
Na opinião de Sebastião Nobre, o encerramento da Praça ao trânsito não veio prejudicar em nada a vida do centro histórico de Tomar: “Não fazia sentido os carros andarem à volta da Praça. Além disso, como actualmente está organizado, permite que os carros subam à cidade”, aponta o arquitecto camarário.
Opinião contrária tem Manuel Antunes. “Dei, numa ocasião, como alternativas abrir a Rua Alexandre Herculano para o trânsito automóvel poder subir em direcção ao centro histórico dado que só há trânsito a descer. Enquanto não houver uma rua a subir para núcleo histórico não há solução para este problema”, aponta o comerciante. “Já muita gente veio ter comigo para encabeçar uma lista para abrir a corredoura porque a minha ideia – e que tentava apresentar sempre que havia reuniões na câmara para fechar a rua – era que se deviam arranjar os passeios na corredoura e abrir a passagem para os carros se dirigirem para o parque atrás da câmara”, explicou, acrescentando que tal como funciona actualmente, o parque “não é viável”.

Muitas obras,
pouco estacionamento


As constantes obras em Tomar são outro dos motivos, segundo os comerciantes com quem falámos, que levam as pessoas a desaparecer das ruas do centro histórico. “No outro dia uns clientes meus disseram-me que cada vez que vêm cá é um caos por causa das obras. No outro dia, outro cliente entrou em Tomar às dez horas e entrou na loja as 12h45 porque não arranjou lugar para estacionar”, exemplificou. “Sei que também há muito cliente que quer entrar com o carro para dentro da loja mas é desesperante quando, por exemplo, estou aqui ao sábado à tarde e não vejo viv’alma nas ruas”, retorquiu ao nosso jornal.
Opinião muito parecida tem Afonso Rosa Franco que gere a Casa das Sementes, na Praça da República, há 46 anos. Em conversa que teve há poucos meses com “O Templário”, o comerciante lamenta a falta de locais para estacionar no centro histórico. “Já pensei em trespassar esta casa porque isto é um bico-de-obra que está aqui. Tenho clientes que vinham aqui com carros pesados para carregar sementes e que deixaram de vir porque são logo multados”, apontou.
Para Afonso Franco, a Praça da República de Tomar “está a morrer” lentamente. “A tendência disto é morrer…Penso que os comerciantes daqui acham todos o mesmo. Desde 1999 que tem sido a queda total. Um dia até disse ao presidente da câmara que ele era ‘o coveiro’ da praça”, retorquiu inconformado.

(publicado no Jornal O Templário)

Uma estação como lar



José Nunes Alves escolheu a casa da estação de comboios de Santa Cita, Tomar, para se abrigar durante três semanas, situação que se arrastou até a GNR ter tomado conhecimento do caso através de um cidadão anónimo que se solidarizou com o sem-abrigo.


Na manhã da passada segunda-feira, 1 de Outubro, só o zumbido das moscas dentro da casa da estação de comboios de Santa Cita, Tomar, quebrava o silêncio, quando ali entrámos. Mas lá dentro, tendo como companhia dois cães vadios, deitado em cima de um banco encontrámos um homem lúcido mas muito desanimado com a vida. “Isto não tem solução, só acaba quando me matar”, vaticinou José Nunes, de 57 anos, e que ali se encontrava desde o dia 12 de Setembro, ao frio e à fome.
Enrolado a um casaco, queixou-se de dores de estômago, fruto talvez da fome que passou até ter tido a ajuda de um cidadão anónimo que por ali passou e, mais tarde, lhe levou comida e roupas. Foi também este homem que alertou as autoridades para este caso de miséria social. “Andei muitos dias sem comer... depois para matar a fome comia figos ou amoras silvestres”, contou José Alves, adiantando que veio ali parar um pouco por acaso.
“Chateei-me a sério com o meu irmão e tive que sair da casa que era dele. Meti-me no comboio, para aqui e para ali, fui até ao Entroncamento e, à volta, parei aqui. Achei que não fazia mal a ninguém dado isto não ter aqui ninguém a tomar conta”´, contou-nos.
José Nunes trabalhava na indústria dos funerais até se ter reformado por invalidez. Depois dedicava-se a fazer pequenos “biscates”, até que uma depressão nervosa o levou a consumir álcool. “Eu já não ando bem da cabeça de há dez anos para cá mas nos últimos meses estou pior... Há quatro meses para cá pensei em matar-me e agora vou andando até o fazer”, referiu. “Agora não tenho bebido mas se bebesse talvez estivesse mais feliz”, apontou.
Solteiro e sem filhos, José Alves, tem como única família um irmão que mora emTomar. Segundo apurámos é o filho mais novo de Francisco Alves, um dos grandes construtores de Tomar com sucesso (já falecido) e diz que lhe deixaram cerca de 150 mil euros de herança, bem como outros bens mas, como andou a gastar algum dinheiro que recebeu de herança “mal gasto”, fez a doação dos restantes bens aos familiares, ficando em troca a viver numa casa ao lado da deles. Mas segundo contou os conflitos físicos e verbais com o irmão sempre foram muito grandes, tendo saído por vontade própria dali. O único problema é que não tinha para onde ir e o dinheiro era escasso.

GNR chamada a intervir

As dores de estômago horríveis levaram-no um destes dias até ao hospital de Tomar e lá foi visto por três médicos. Curiosamente ninguém se terá apercebido que se tratava de um sem-abrigo, dado que, nesse mesmo dia, regressou ao seu lar improvisado.
José Alves recebe uma reforma de 46 contos na moeda antiga, dinheiro insuficiente para pensar em alugar um quarto. “Isto vai dar mal resultado e só acaba quando me matar”, aponta novamente.
Á hora que deixamos José Alves, a GNR local estava a deslocar-se para o local, tendo chamou uma ambulância para transportar para o hospital de Tomar, afim deste receber tratamento para as suas dores de estômago. Ainda neste dia, a GNR iria entrar em contacto com familiares de José Alves afim destes o acolherem de novo. Um caso que vamos continuar a acompanhar porque afinal se trata de um ser humano que precisa de que lhe estendam a mão antes que desista da vida.

Os “peregrinos” da EN349-3



Quem por ali passa vê-os com frequência, a subir ou a descer, ao calor e ao frio. A maioria mora no Bairro Nossa Sra. dos Anjos ou nas Algarvias e, uma vez que não têm carro próprio, aventuram-se pela berma da estrada nacional 349-3, no meio de buracos, pó, ramos verdes a precisar de um desbaste e lixo. O ideal para estes “peregrinos da estrada” era mesmo que o “Tutomar” passasse por ali.


Muitos são os moradores nas proximidades de Tomar que, não dispondo de viatura própria se vêm obrigados a circular a pé em determinado percurso da EN 349-3 (que liga Tomar a Torres Novas), abaixo e acima, às vezes mais do que uma vez por dia. Esta estrada é também conhecida pelos populares com “ladeira dos marcos” dado ter uma curva considerada muito perigosa, contornada com marcos brancos e vermelhos. Muitas vezes, estes peões são idosos que se deslocam a pé ou de bicicleta, senhoras carregadas com sacos de compras ou que empurram a custo o carrinho de bebé.
Para além do piso em péssimo estado, cheio de pedras, buracos e lixo, os passeios vão estreitando e alargado conforme a vegetação, árvores e canas, o permita. A situação piora em dias de chuva, com a lama e com a água que resvala com os pneus, molhando tudo e todos. Todos os peões com quem falámos reclamaram uma intervenção nesta estrada – obra que seria da competência das Estradas de Portugal - no sentido de se proceder à melhoria das condições de segurança e de circulação para peões. Outro aspecto que realçaram tem a ver com o alargamento do circuito do “Tutomar”, autocarro de transporte público, que actualmente realiza apenas um circuito urbano.
Aos 77 anos, Ermelinda Ferreira, moradora no Telégrafo, faz mais de cinco quilómetros para cá e para lá, para se submeter a tratamento médico. Apesar de nunca ter tropeçado ou caído durante a sua caminhada, como já lhe aconteceu na Estrada da Encosta das Maias, a idosa reconhece que o caminho “não é fácil” de percorrer. “Venho aqui muito encostada à berma por causa dos carros”, disse-nos.
Emília Francisco, moradora nas Algarvias, vai quase diariamente para Tomar e, na maioria das vezes, volta carregada com um sacos das compras. “Tenho que ir a pé e vir a pé. Custa muito subir esta ladeira. Ainda hoje tive que chamar um táxi e paguei 3, 20 euros para me vir por a casa porque não me sentia com forças para vir a pé”. Esta moradora não entende porque é que o circuito dos transportes urbanos (Tutomar) não se alarga, pelo menos, até as Algarvias, povoação a cerca de 3,5 quilómetros de Tomar. “Isto são vinte minutos a andar bem, para cima e para baixo... Na minha opinião o Tutu devia vir até ao cruzamento do Pato Bravo… poupávamos muito dinheiro”, desabafou ao nosso jornal. Segundo esta transeunte o piso desta estrada nacional “é muito difícil” e obriga os peões a “ir na mão contrária”, o que representa um grande perigo dado que os carros passam ali a lata velocidade. “Deviam fazer passeios maiores para podermos andar à vontade. Muitas vezes, quando subimos acompanhados, até comentamos uns com os outros que o presidente da câmara é que devia subir esta ladeira para ver o que é que nos custos”, aponta.

Assédio, buzinadelas e afins

Á entrada de Tomar, junto à mata nacional, e depois de mais de dois quilómetros sempre a descer, encontrámos Maria Celeste Jesus e Maria Irene Cruz. Ao nosso jornal contaram-nos um episódio caricato que lhes tinha acabado de suceder. “Vínhamos as duas muito descontraídas e vimos um carro com os quatro piscas ligados. Pensamos que queriam uma informação mas, qual não é o nosso espanto, perguntaram-nos se queríamos dar um passeio os quatro”, referiram ainda com o dislate fresco na memória.
Estas duas tomarenses fazem muitas vezes o caminho da EN 349-3 a pé sendo este um percurso difícil, tal a quantidade de buracos que tem pela frente. “Temos que procurar o caminho melhor mas é difícil. Também deviam fazer obras nos passeios mas o ideal era haver um transporte público até ao Bairro (Nossa Sra. dos Anjos)”. Segundo as mesmas, “não vale a pena estar à o autocarro da rodoviária só por causa desta distância”.
Também os automobilistas que circulam nesta estrada se apercebem do perigo que os peões estão sujeitos. É o caso de José Freire. “Como condutor tenho visto de tudo… desde crianças andando de costas para o trânsito, a pessoas com carrinhos de bebé e idosos, em plena estrada”, refere. “Parece que se está à espera que, um dia destes, aconteça uma tragédia”, questiona indignado.

“Quero aprender como os outros meninos”




Mariana Lopes tem seis anos e sofre de uma doença ocular grave, causada pela atrofia do nervo óptico. Tal como qualquer outra criança, este ano entrou para a escola primária, necessitando agora de material educativo e didáctico adaptado às suas necessidades. Desse modo, certamente, que o seu futuro seria mais risonho.


Ao primeiro contacto, Mariana é uma menina como tantas outras da sua idade. Tem sempre resposta na ponta da língua e uma perspicácia que surpreende tudo e todos. É muito esperta e curiosa com tudo o que a rodeia. Só que a Mariana tem, desde que nasceu, um problema que a fez perder a vista progressivamente, restando-lhe apenas dez por cento da capacidade de visão. Um problema irreversível pelo facto deste se dar ao nível do nervo óptico, não pode ser a menina operada.
Sentada na sua secretária de plano inclinado - que precisa ainda de uma ripa para que a folha não escorregue para o chão - e com os pés apoiados em cima de uma embalagem de leite - enquanto não vem a caixa de 12 cm de suporte dos pés, já pedida à autarquia - a pequena Mariana apenas precisa que a estimulem constantemente a aprender. Por vezes, depois de fazer as tarefas que lhe são pedidas, desanima e diz que “está cansada” ou “dói-lhe a cabeça” pelo que é necessária muita persistência por parte de quem a rodeia para motivar esta criança.
Junto a ela, na sala da escola de 1.º ciclo de Santa Cita (Agrupamento de Santa Iria) estão 12 meninos e meninas, que frequentam os vários anos do ensino básico. Ouvem atentamente a simpática professora Rosa Emídio que, pacientemente, lhes ensina a lição. Bem comportada, Mariana também presta atenção e só fala quando a professora a interpela.
Hoje é o dia da letra “U” e a Mariana vai desenhá-la no quadro. “Qual é a regra?”, pergunta-lhe a professora. “Andar sempre a apalpar as carteiras”, responde a pequena que, sozinha, se encaminha até ao quadro preto, embora esteja sempre acompanhada da auxiliar de educação Patrícia Costa, que ali trabalha desde o dia 24 de Setembro, especialmente devido à presença da Mariana.
Segundo Maria das Neves Couteiro, vice-presidente e representante do 1.º ciclo do Agrupamento Santa Iria, referiu que o agrupamento tem sido incansável de modo a facilitar a integração da menina no seio escolar. “Preparámos (o agrupamento) a entrada da Mariana com um ano de antecedência e fizemos tudo o que era possível para facilitar a sua adaptação”, disse. “Solicitámos à DREL que fosse colocada uma auxiliar educativa na escola primária de Santa Cita mas alegaram que tínhamos pessoal a mais pelo que transferimos para lá uma auxiliar, que estava na sede do agrupamento”, explicou. Segundo Maria das Neves, também a autarquia iria ser contactada no sentido de proceder a obras de adaptação. “Sabemos, por exemplo, que o acesso às casa-de-banho é feito por escadas pelo que será necessária uma intervenção nesse sentido”, apontou, manifestando preocupação evidente pela situação da Mariana.

Escola necessita de obras

10H30 é a hora do lanche e do recreio. Mariana quer ir à casa-de-banho. Sozinha, segue a parede branca e desce as escadas, sempre sob o olhar atento da auxiliar. Para lavar as mãos necessita de ajuda uma vez que a torneira é muito alta. Segundo a professora Rosa Emídio, há algumas obras de adaptação a fazer para facilitar o percurso da Mariana ao WC, tendo sido já enviado um ofício à autarquia a solicitar a realização das mesmas. “As escadas tem que ser marcadas com fita adesiva anti-derrapante porque ela não tema noção de profundidade e não sabe quando começa e acaba o degrau, o corrimão tem que ser pintado de preto, é necessário tornar a altura da torneira e do lavatório acessível e têm que ser feitas pequenas obras na entrada da escola junto ao portão, de forma a facilitar a entrada da Mariana no edifício”, enumerou.
Por enquanto e segundo indicação da médica que a acompanha, as professoras ainda estão a tentar estimular o que resta da visão de Mariana pelo que ainda não aprendeu o Braille. Caso o faça a professora também terá que ter essa formação. Possivelmente, e no futuro, a Mariana vai também passar a ter que usar uma bengala para se guiar.
Apesar de todo o apoio escolar – para além da professora Rosa e da auxiliar Patrícia, Mariana conta ainda com o apoio de uma professora da área sócio-educativa (Paula Marques) e outra de educação especial (Paula Guido) – sente-se que falta à Mariana mais material que a estimule a aprender. Material que poderia e deveria ser fornecido a esta criança pela Delegação Regional Educativa de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).
“No outro dia, pediu-me para jogar ao dominó pois tem as pintas em relevo e há o contraste do preto com o branco que é ainda o que ela vê melhor” relatou a professora adiantando que, apesar de tudo, já aprendeu muito desde que teve início o ano escolar. “É uma criança muito perspicaz e esperta a nível social e de relações públicas”, aponta Rosa Emídio. “O ideal seria haver uma professora de apoio especial só para a Mariana”, reconhece Sofia, mãe da pequena que, apesar de tudo nos diz sentir que ela “vai muito contente da escola para casa”.

Material educativo insuficiente

A pouca visão de Mariana é notada porque, por exemplo, não consegue fazer a pinta do “ i” por cima da letra ou então faz uma letra e a seguinte muito mais acima ou abaixo. Também tem dificuldade em reconhecer os desenhos que lhe são mostrados no papel. É por isso que a Mariana necessita de materiais e equipamentos que sejam adaptados às suas necessidades, tal como um caderno especial com linhas em relevo ou livros com cores contrastantes, dado que consegue distinguir ainda o preto do branco. Tudo tem que ser feito com a ajuda de uma cartolina preta recortada de modo a conseguir focar os objectos ou as letras. Numa fase posterior, um computador com um sistema de voz incorporado, para que pudesse aprender a escrever palavras e a ler, seria o ideal.
Existem lojas em Lisboa que vendem este software, para além de outro material especialmente concebido para pessoas com baixa visão ou cegueira. “Existem muitas soluções que podem ajudar mas que deverão ser testadas pela mesma para sabermos se responde ou não às necessidades específicas da Mariana”, respondeu-nos Inês Palma, Directora do Departamento de Ergonomia e Reabilitação da empresa Ataraxia - Estudos e Serviços em Tecnologias de Informação. “O que podemos ajudar é fazer uma avaliação na nossa sala de avaliação funcional com a nossa equipam especializada em deficiência visual, sem custos para a Mariana”, disponibilizou-se, referindo que, neste caso, os pais teriam que se deslocar a Lisboa. “Não sei será possível para eles. Já tivemos casos semelhantes em que a Junta de Freguesia ou Câmara Municipal disponibilizou um carro com motorista e foi feita a avaliação”, informa.
“Quero aprender como os outros meninos”, disse-nos a pequena a sorrir. E a Mariana tem todo o direito a isso. Só necessita que lhe dêem os meios, os materiais e de todo o amor do mundo.

IC3 prejudica vendedores ambulantes



O IC3 não foi bom para todos. Que o digam os vendedores ambulantes de fruta e legumes localizados na EN110 que viram muitos dos clientes “fugir” pela via rápida.


Inaugurado com pompa e circunstância a 22 de Novembro, há um outro lado para contar sobre o IC3. O lado dos vendedores ambulantes da EN110 que viram muitos dos seus clientes “fugir” desde que foi inaugurada a via rápida, mesmo ali ao lado e, de dia para dia, sentem as vendas a diminuir.
“Sente-se que o IC3 ‘quebrou’ um bocado o negócio. Antigamente passavam aqui mais carros e sempre iam parando. Embora eu ache que as pessoas que estavam habituadas a vir aqui vêm na mesma”, diz ao nosso jornal a vendedora, Elvira Garcia, de 46 anos, que tem uma banca de fruta e legumes há mais de cinco anos, situada perto da rotunda do Manjar dos Templários. “Quem vinha para Lisboa passava por aqui porque não tinha alternativa mas agora vão sempre em frente. Sinto que passam menos de metade dos carros que passavam, especialmente os pesados”, aponta ao nosso jornal.
“A crise não é só aqui, é por todo o lado. Isto já quebrou muito na altura do euro e desde aí não melhorou. Só que a gente vá ganhando durante o dia para comer à noite já é bom”, remata a vendedora que, apesar de tudo, se mostra uma pessoa positiva e bem-disposta.
Elvira Garcia espera agora pela época da cereja e do melão, a partir de Maio, para verificar os verdadeiros efeitos do IC3 no negócio ao qual se dedicou toda a vida: “No Inverno o negócio cai sempre um bocado mas, quando for a época da cereja ou do melão, é que eu vou ver como isto está. Outra diferença que noto é que antes vendia-se mais ao fim-de-semana do que de semana e agora não… tenho dias de semana que vendo mais”, esclarece.
Sem um único cliente, uns metros à frente, seguindo a direcção de Carvalhos de Figueiredo, numa outra banca, fomos encontrar um casal de vendedores ambulantes que ali está há 16 anos e que também sentiram o efeito do IC3 nas suas vendas. “Isto não está mau, está péssimo”, desabafam. “Há menos trânsito, há menos carros, logo há menos gente. Agora são os clientes mais certos é que continuam a vir”, referem ao nosso jornal, acrescentando que o facto de estarmos na época de chuva também não ajuda. “Há mais de 30 anos que já se falava no IC3, já contávamos com isto. Mas o negócio está mau não é por isso mas sim por causa da crise e da falta de dinheiro. As pessoas comem arroz e massa e não comem fruta. Não há ninguém que tenha um negócio que não se queixe”, apontam em uníssono, enquanto esperam por “melhores dias”.

(publicado no jornal O Templário 10/01/2007)

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Ferrador há 50 anos


A profissão de ferrador, pelo menos nos moldes antigos, está em vias de extinção. Aos 61 anos, José Vicente Rodrigues trabalha na arte de ferrar desde os onze anos. Daí também ser conhecido pela alcunha de “Perna atrás”, epíteto que herdou do avô.

“Quem não gosta do que faz nunca pode ser um bom ferrador”. Quem o diz é José Vicente Rodrigues que ainda era um gaiato e já se tinha estreado na arte de ferrar. Aprendeu o ofício assim que fez a 4.ª classe e nunca quis fazer outra coisa na vida.
Natural de Casével, uma freguesia do concelho de Santarém, José Rodrigues herdou do avô e do pai a profissão na qual tem orgulho de trabalhar há mais de cinco décadas. Foi o pai que o iniciou nesta arte familiar.
De dois em dois meses, este ferrador desloca-se da sua terra a uma quinta dos arredores de Tomar para mudar o calçado aos animais que conhece como a palma das suas mãos.
Homem simpático e humilde, José Rodrigues ainda se lembra de ferrar bois, um trabalho que deixou de fazer quando deixaram de existir juntas de bois para os lados onde vivia. O ferrador recorda que era mais fácil por ferraduras nos bovinos (canelos) do que nos equídeos, trabalho a que actualmente se dedica a fazer um pouco pelas coudelarias e cavalariças da região: “Os cavalos tem um comportamento diferente… dão mais trabalho. Nenhum ferrador deve começar a ferrar um cavalo sem falar primeiro com ele”, explicou.
Criada a empatia com o animal, o movimento seguinte passa por olhar para as patas do cavalo e inteirar-se quer da forma quer do desgaste da ferradura. Antes de colocar a nova ferradura é necessário fazer o aprumo do casco (taipa) do animal para quer o trabalho seja feito como deve ser. “A taipa é como as nossas unhas. Como crescem têm que ser cortadas”, explica com conhecimento de causa.
José Rodrigues sabe do que fala uma vez que conhece todos os ossos e as cartilagens que formam as extremidades das patas dos cavalos. Só depois avança no trabalho, malhando as ferraduras com a ajuda de um martelo numa pesada bigorna de ferro, à maneira antiga. Com o brio profissional de que se orgulha, José Rodrigues dá às ferraduras as inclinações apropriadas para o cavalo que vai “calçar”. Segundo o profissional a ferradura deve ser ligeiramente arqueada tanto de trás para a frente como lateralmente para o cavalo poder ter um andar correcto e não começar a coxear.
Actualmente, já não são os cavalos que se deslocam até ao ferrador mas sim o ferrador que se desloca à cavalariça, a pedido dos proprietários dos belos animais. De dois em dois meses, no máximo dois meses e meio, os animais têm de ser ferrados de novo pelo que é com esta regularidade que se desloca aos seus clientes.

Avental em cabedal, como manda a tradição

Para o efeito, José Rodrigues transporta todo o estojo de trabalho que é necessário instalando a sua oficina numa carrinha de caixa aberta. O ferrador continua a utilizar as ferramentas de sempre – e que não se modificaram muito ao longo do tempo - as turqueses para tirar os pregos(cravos) e as grosas para desbastar o casco, as facas curvas e os martelos, os cravos e as ferraduras, a bigorna e o cepo. José Rodrigues faz ainda questão de usar, enquanto trabalha, o avental de ferrador em cabedal tal como manda a tradição.
Quando começou a trabalhar, levava 20 escudos para ferrar um cavalo. Agora, e passados, 50 anos, o trabalho de ferrar um cavalo custa cerca de 55 euros (mais IVA), preço que inclui a viagem de deslocação por isso quando José Rodrigues se desloca para fazer um trabalho tem, normalmente, à sua espera cerca de quatro ou cinco cavalos. “Não compensa andar uma série de quilómetros só para ferrar um cavalo… Tem que haver mais animais, mas um bom ferrador não consegue ferrar mais de quatro ou cinco cavalos por dia”, explica.
Em relação ao tempo que demora a ferrar cada cavalo, o nosso interlocutor refere que o mesmo depende da personalidade do animal: “Se o cavalo colaborar demora cerca de hora e meia mas pode demorar duas horas e mais se não estiver com vontade”.
Os cavalos são ferrados por volta dos três anos e meio, quando começam a ser desbastados e mudam de ferraduras entre cinco a seis vezes por ano. José Rodrigues já perdeu a conta ao número de ferraduras que mudou, porque afinal, atrás de si já dedicou cinco séculos de vida a “calçar” os cavalos. E enquanto tiver saúde garante que vai continuar a fazer o que mais gosta e sabe.

(publicado no jornal O Templário a 20 de Dezembro de 2006)

Filha de Charlot encantada com Tomar


O Convento de Cristo está a ser palco, uma vez mais, de uma grande produção, desta vez ibero-americana. Tive oportunidade e o privilégio de fazer uma pequena entrevista à conhecida filha de Charlie Chaplin (Charlot), uma das actrizes da película Teresa D' Ávila.

Géraldine Chaplin, filha de Charlie Chaplin, está a gravar no Convento de Cristo o filme Teresa D’Ávila, onde desempenha o papel de madre-superiora. “O Templário” falou em exclusivo com a filha de Charlot.

Que papel interpreta neste filme?
Eu faço de madre-superiora. Um papel encantador e também muito trabalhoso... sou a superiora que manda no Convento (risos).

O que é que nos pode contar da película?
Tem um argumento muito bem escrito... É outro olhar sobre a vida de Santa Teresa. O guião é brilhante e acho que o resultado final vai ser extraordinário.

O que diria aos espectadores do filme?
Se o filme for tão bom como o guião faz-se justiça à vida de Santa Teresa. Recomendo-o a todos para que o vejam e fiquem a conhecer a vida de Santa Teresa.

E é a primeira vez que está no Convento de Cristo?
Sim... Já estive aqui ontem (domingo) e é um lugar incrível, extraordinário, cheio de energia. Adoro-o!

E já visitou Tomar?
Sim, esta manhã fui dar um passeio a pé pelas ruas e achei que era uma cidade muito amorosa. Muito amorosa e muito fria também (risos).

Bilhete de Identidade
Nome: Geraldine Leigh Chaplin
Data de Nascimento: 31 de Julho de 1944
Local de Nascimento: Santa Monica, Califórnia, EUA
Pai: Charles Chaplin
Mãe : Oona O'Neill, filha do dramaturgo Eugène O'Neill

(publicado no Jornal O Templário a 3 de Dezembro de 2005)

O Kickboxing controla a agressividade natural das pessoas”


Nascido em Setúbal há 48 anos, Alfredo Maria da Silva Rosa começou a praticar desportos de combate tardiamente, aos 29 anos, motivado pelo gosto que tinha pelo Boxe. Como não existiam escolas para esta prática na cidade do Rio Sado decidiu-se pelo Full-contact. E não passou muito tempo até vir a tornar-se “mestre” na arte de ensinar, imagine-se, Kickboxing, já lá vão quase 20 anos. Em entrevista à BOXING o mestre do Ginásio Costa Azul é claro: “O Kickboxing é algo que completa o meu bem-estar físico e psicológico”. Em 1999 a carreira de Alfredo Rosa atingiu um dos seus momentos mais altos quando foi eleito pela Federação Portuguesa de Kicboxing como o melhor treinador do ano, por ocasião dos bons resultados obtidos pela sua equipa no Campeonato do Mundo realizado em Lisboa.

A carreira de Alfredo Rosa inicia-se em 1985 quando se inscreveu na Escola do Mestre João Martinez, em Setúbal, onde aprendeu Full Contact. “A minha paixão não era o kickboxing, era o boxe, mas não haviam locais em Setúbal para a prática e acabei por virar-me para o Full”, revelou-nos. Alfredo Rosa tomou o gosto pela modalidade e pouco tempo depois de se iniciar na prática ficou apto para dar aulas, decidindo criar a sua própria escola. Em 1992 começa, assim, a ensinar Kickboxing na Escola da Associação de Bombeiros em Águas de Moura, altura em que se filia na Federação Portuguesa de Kickboxing. Em 1996 é, entretanto, convidado para ser Técnico Responsável dos Ginásios Costa Azul, prática que concilia com a actividade de padeiro. “Fui padeiro até Dezembro último”, refere, adiantando que os horários praticados no exercício desta sua profissão permitiram conciliar as duas actividades em paralelo. E nunca se sentiu desconsiderado por causa disso: “Há uma coisa que é muito importante de salientar em relação a este aspecto. As pessoas quando nos conhecem e sabem que somos da área respeitam-nos muito”.


Uma equipa unida

“Conquistámos a Taça de Lisboa no final do mês de Janeiro”, refere com visível orgulho o mestre Alfredo Rosa. “Disputámos a última de três fases, em seis disciplinas, e fomos (Ginásio Costa Azul) os que mais pontuámos a nível de Clubes conquistando a Taça pelo terceiro ano consecutivo”. Da equipa que treina, composta por atletas entre os 6 e os sessenta anos, 50 estão inscritos na Federação. A falta de um espaço próprio para os treinos é um problema que agora atravessam. “Estamos um bocadinho destroçados porque tinhamos um espaço próprio que tivemos que deixar. Estes ginásios ficam mais longe para alguns dos alunos e os horários dos treinos não ajudam.” Mas a solução está para breve: “Estamos em fase de transição e já temos em vista um espaço próprio que está em vias de construção”, refere satisfeito este mestre com graduação de cinto 3.º DAN. O ambiente que a BOXING presenciou durante um treino pareceu-nos de salutar convívio. “Treinamos uma vez por dia. É um ambiente familiar, conhecemo-nos todos e considero-os como uns filhos”, refere Alfredo Rosa. Depois do aquecimento inicial, o resto da aula depende dos objectivos. “Quando não há competições apuramos a parte da técnica. Quando se aproximam campeonatos puxo mais pela componente física”, esclarece. Mais complicado é explicar aos alunos novos, que entram quando se está a treinar para competições, que o treino é mais puxado naquela altura. “Já cheguei a trabalhar com atletas para competição e nesse dia aparecem alunos novos... Como chegam com uma imagem pré-concebida da modalidade, por vezes, assustam-se”. Nessas alturas, Alfredo Rosa tenta explicar ao aluno recém-chegado que o treino a que assiste está direccionado para o combate. “Já chegaram aqui pessoas em pânico e que desistem pouco depois. Outros, pelo contrário, dizem que isto não é tão violento como pensavam. Mas a maior parte fica com uma ideia mais positiva do Kickboxing”. E os ensinamentos que considera importantes para transmitir aos alunos são, sobretudo, “a vontade de fazer mais e melhor, o respeito pelo próximo e o espírito de entreajuda são princípios que se devem tornam práticas constantes no dia a dia”.


Kickboxing e Autocontrole

Para Alfredo Rosa, os amantes dos desportos de combate começam a praticar Kickboxing porque assistem às competições internacionais na televisão ou a filmes em que se pratica a modalidade. “É tudo uma questão de influências”, acredita. Para o mestre a imagem violenta que a maioria das pessoas tem do kicboxing é deitada por terra quando se começa a praticar. “Tudo o que se faz e ensina nos treinos não tem a ver com violência e é de fácil aprendizagem daí que haja pessoas com uma variedade de idades tão distinta que se encontram a praticar”. Alfredo Rosa é peremptório em relação às vantagens que se adquirem com a prática do Kickboxing: “É uma modalidade que completa o desenvolvimento físico, proporciona autocontrole e desenvolve a autoconfiança”.
Pedimos a sua definição deste deporto de combate: “A ideia que tenho do kicboxing, ao contrário do que se pensa, é que não estimula a violência mas antes canaliza o controle da agressividade natural das pessoas.” A prática da modalidade está presente 7 dias por semana na vida deste mestre, aproveitando para planificar treinos e rectificar práticas ao fim-de-semana. “É uma modalidade de combate que já está enraizada na minha maneira de viver”, confessa à Boxing.
O autocontrole que tem reconhece que o deve à prática do Kicboxing. “Fui durante muitos anos padeiro mas agora sou cobrador do Vitória Futebol Clube e deparo-me com situações um bocado melindrosas, especialmente quando o Vitória perde os jogos”, começa por explicar com algum humor. “Se não fosse o kickboxing talvez me exaltasse mais com certas reacções das pessoas e assim encaro as coisas com mais suavidade”. A componente da defesa pessoal é bastante trabalhada nas suas aulas. “O kickboxer deve saber, antes demais, como se defender do agressor”, refere, acrescentando que “não se trata de uma arte marcial mas é antes uma modalidade de combate que tem como objectivo simplificar a execução de técnicas apreendidas”.


Competições e prémios

“O Kickboxing é um desporto maioritariamente masculino”, reconhece o nosso entrevistado. Na equipa do Ginásio Costa Azul são quatro senhoras entre mais de 40 atletas. Na sua opinião, “a sociedade ainda não vê as mulheres a praticar os chamados deportes de combate e elas, à partida, já se sentem inferiorizadas neste campo”. Mas, segundo a opinião de Alfredo Rosa, as mulheres são “mais fiéis” à prática e não desistem facilmente. “Tenho como aluna a Inês Vigário, que tem quase tanto tempo de atleta como eu tenho de carreira de Técnico”, exemplifica.
Os prémios, distinções e medalhas já são uma constante na carreira do mestre Alfredo Rosa. “Nos últimos anos tenho ganho muitos títulos colectivos e em1999 tive 3 atletas a participar no campeonato do mundo, dois dos quais foram medalhados (Prata e bronze)”, refere orgulhoso. A Taça de Portugal também já foi conquistada pela equipa que treina. Lamenta, no entanto, a falta de apoio em relação à modalidade. “Ás vezes a vida não dá para acompanhar os atletas com a frequência que desejamos e até estou convencido que se assim fosse os resultados seriam outros”. Para o mestre com a falta de apoios, as condições de trabalho a nível de competições internacionais adversas os resultados obtidos ficam muito aquém das expectativas. “Há valores que não são aproveitados em virtude da falta de condições para o acompanhamento dos seus treinos”, acredita. Mesmo assim, Alfredo Rosa mantêm a esperança e confessa a Boxing o seu sonho, que pensa estar prestes a realizar-se. “Gostava de treinar uma equipa de Kickboxing que representasse o Vitória de Setúbal e levasse o nome da cidade por este mundo fora. Estou, no momento, a elaborar o projecto e penso que vou conseguir”. Caso se concretize, Alfredo Rosa acredita que vai ser tudo muito mais fácil. “Quer em termos de divulgação, quer em termos de apoios e patrocínios penso que se as pessoas vão aderir mais à modalidade” E acaba com um exemplo com o qual temos que concordar : Se tivesse sido vencedor da Taça Portugal pelo Vitória de Setubal seria muito mais apoiado e a modalidade mais promovida.”

publicado na revista BOXING - Desportos de Combate, edição Fevereiro 2005

A persistência de um génio



Só mesmo um génio como Salvador Dali (1904-1989) para se lembrar de pintar uma obra com relógios derretidos, com a paisagem catalã em pano de fundo. Foi numa tarde de Agosto, no ano de 1931. Dali estava no seu atelier a petiscar, na companhia de Gala (a russa Elena Dimitriova Diakonova), sua primeira mulher e primeira grande paixão, quando pegou no lápis e nele enrolou uma fatia de queijo camembert, amolecido pelo intenso calor que se fazia sentir. Foi nesse momento que, num dos seus devaneios psicóticos, lhe surgiu a ideia de pintar “A Persistência da Memória”, um dos quadros mais frequentemente associados ao pintor surrealista. Dali demorou apenas duas horas a pintar esta obra e quando Gala viu este quadro proclamou, com alguma razão, que quem visse este quadro jamais o esqueceria. Em várias composições de Dali se constata este “delírio comestível” vocalizado por uma das suas, entre outras, frases célebres: “Sei o que como, não sei o que faço”. Dali evoca muito nas suas obras os conceitos “mole” e “duro” que, segundo o pintor, se resumem na fórmula “vida perfeita da morfologia degenerada”. O que é que isto quer dizer? Talvez só Dali o conseguisse explicar. Os relógios derretidos de Dali evocam a irrelevância e a preocupação humana com o tempo e a memória. Na minha opinião, uma preocupação com a vida, que escoa a cada segundo para um final do qual não há escapatória possível. Os relógios derretidos de Dali, representam a fragilidade da homem, na condição de ente humano, face à ditadura dos ponteiros do “senhor tempo”, da velhice para a qual caminhamos, da saúde que se “derrete” com o passar dos dias, meses e anos. Neste quadro é forte o sentido da limitação biológica. Entre o sólido e o mole os relógios hipnotizam todos aqueles que param um momento para reflectirem sobre a sua própria vida e o que fizeram com ela. Arrancamos as folhas do calendário, rumo à anciania, e vamos caminhando para uma altura em que o nosso próprio relógio está derretido e já não há maneira de o voltar a solidificar. O único consolo é olhar para trás e ver que não desperdiçamos o nosso tempo com futilidades. Ou melhor, que não desprezamos o nosso efémero tempo útil de vida. Que não vivemos a nossa vida em piloto automático, a obedecer às prioridades dos outros, esquecendo as nossas próprias ambições, os nossos próprios sonhos. Porque os relógios continuam a derreter a cada segundo e a memória dos tempos passados persiste para nos recordar isso mesmo.

publicado na Revista "Artes de Babel", Dezembro de 2003

O pintor do medo




"A minha tarefa é estudar a alma, o que equivale dizer estudar-me a mim mesmo... na minha arte tentarei explicar a minha vida e o seu significado”, escreveu um dia o pintor norueguês Edvard Munch no seu Diário de Um Poeta Louco. Munch nasceu na Noruega a 12 de Dezembro de 1963 e foi considerado “o pintor da angústia, do homem moderno, da solidão que este sente nas cidades, do amor fracassado e da morte”. Edvard Munch perdeu a mãe muito cedo, com cinco anos, vítima de tuberculose e, quatro anos mais tarde, morre a sua irmã com a mesma doença. A partir daqui o pintor inicia uma relação com a morte que o vai obcecar para o resto da vida.
De facto, quem nunca se deixou impressionar pelo mais célebre quadro de Munch, “O Grito”, talvez nunca se tenha deixado impressionar pela vida. Este é um quadro muito intenso, que reflecte a angústia deste pintor e a sua visão de existência humana. Munch descreveu a experiência que o levou a pintar esta obra em 1883, com apenas vinte anos, decorria o ano de 1883. “Caminhava eu com dois amigos pela estrada, então o sol pôs-se; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me no muro, inexplicavelmente cansado. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde preto-azulado. Os meus amigos continuaram a andar, enquanto eu ficava para trás tremendo de medo e senti o grito enorme, infinito da natureza”.De certo modo, Munch concentrou nesta obra toda a angústia humana perante o mistério insondável da morte. Pelo menos esta é a imagem mental, a imagem criada, que muitas vezes induz nos seus admiradores. A morte é o maior mistério da vida e é algo a que, nós humanos, estamos, inevitavelmente, destinados. É-nos imposta à nascença e não há nada que possamos fazer para a evitar. No quadro de Munch esta impotência do ser humano face á sua condição de ser mortal sente-se através das cores incandescentes, vivas, tumultuosas que provocam no espectador uma espécie de tontura emocional. Por isso muitos temem Munch, o pintor do medo. Porque muitos temem o confronto com a sua própria mortalidade.Segundo Anna Carola Kraube, “neste quadro as cores e as formas aumentam a força de expressão do motivo”. O Sol desaparece e o eco do grito sacode o céu e a terra . Munch utiliza um pincel nervoso e colorido que passa rapidamente de tons mórbidos a cores incandescentes. Esta técnica sugere ao espectador a inquietação e a angústia que assolava o criador durante a concepção desta obra. Kraube descreveu “O Grito” como “o desfalecimento que o homem sentia dentro de uma realidade cada vez mais complexa e confusa”. O homem contemporâneo vive dentro desta espiral, muitas vezes sem se aperceber deste facto.Em toda a sua obra, Munch parece aplicar a si um dos mandamentos do seu amigo e poeta Hans Jaeger que disse um dia que “cada um deve escrever a sua própria vida”. Munch fez mais do que isso. Pintou a vida de todos nós.

publicado na Revista "Artes de Babel", Setembro de 2003