segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Coveiro de Tomar já foi rico


Em 1996 Carlos Manuel Ferreira Simões, coveiro municipal, fez um seis no totoloto. Passados dez anos “O Templário” quis saber o que aconteceu ao tomarense que um dia já foi milionário: gastou quase toda a fortuna na construção de uma vivenda e continuou a trabalhar como coveiro.

Fomos encontrá-lo no cemitério de Marmelais, onde trabalha há 20 anos. Combinado o trabalho para dali a dois dias, Carlos Simões, 41 anos, aceitou falar sobre o dia em que viu a sua vida mudar: 5 de Fevereiro de 1996. Tinha 31 anos e ganhou, na altura, mais de 23 mil contos no totoloto.
“Lembro-me desse dia porque andava a abrir uma cova para um senhor e, na lápide dele está lá essa data”, recordou. Em anos anteriores, Carlos Simões já jogava com mais 19 pessoas numa sociedade mas, por azar, desistiram da sociedade umas semanas antes de poderem vir a ser contemplados com o primeiro prémio. “Se tivéssemos continuado a jogar na sociedade, e com aquela chave, tínhamos feito um seis e o suplementar. Na altura, calhava-nos dois mil contos a cada um”, contou.
O episódio causou-lhe algum transtorno pelo que decidiu continuar a apostar na sorte grande, desta vez, sem sócios à mistura. Andou quase um ano a jogar sozinho até que chegou o dia em que foi bafejado pela sorte grande. “Tinha jogado com duas chaves de oito números e foi o senhor Zé que me viu os totolotos num café onde eu ia comer qualquer coisa, que ficava por detrás do cemitério velho, é que me disse que num deles eu tinha um seis… Depois demos um abraço”, recordou ao nosso jornal. Nesse dia ficou fora de si e, assim que pode, dirigiu-se à Papelaria Nova, em Tomar, onde tinha metido o boletim, para confirmar o que, até ali lhe parecia um sonho. “Na papelaria não me quiseram dizer nada mas mais tarde recebi um telefonema a dizer que tinha tido um seis e a perguntar se queria ir à televisão”, relatou-nos. Nessa semana o primeiro prémio foi dividido por Carlos Simões e mais cinco totalistas. “Naquele dia à noite, não tenho vergonha de dizer que chorei”, confessou.
Passaram 20 dias até que recebeu o cheque no valor de 23 mil e 600 contos. O patrão ajudou-o a tratar de arranjar o cartão multibanco. “Levei o cheque no bolso e dirigi-me à Caixa Geral de Depósitos na Alameda Um de Março para depositar o cheque e lembro-me que até o empregado ficou admirado com o cheque”, conta a sorrir.
Carlos Simões recorda também que, na altura, foi, na companhia de um colega, ao programa “Clube dos Totalistas”, apresentado por Carlos Ribeiro, onde contou a sua história. “Gostei muito de lá ir e fiquei com a cassette do programa para recordação”, refere. “Na altura brincaram comigo e perguntaram-me que tipo de noiva eu queria arranjar. Eu disse que tinha que ser trabalhadora, honesta e que me desse a volta à cabeça para me ‘rapar’ o dinheiro todo”, contou a rir.

18 Mil contos gastos na casa

A maior parte do dinheiro que lhe saiu no totoloto foi investido na construção da casa de que muito se orgulha e que hoje tem na Peralva. “Toda a gente gozava por comigo por causa de eu viver com a minha mãe numa casa velha e que, de ano para ano, se degradava mais pelo que eu já era para pedir dinheiro ao banco para as obras e decidi fazer uma casa nova, no mesmo local”, explicou. “Desde aí nunca mais ninguém gozou”, acrescentou. Uma alegria que deu à sua mãe, Maria de Jesus, entretanto já falecida. “O resto do dinheiro foi para o dia-a-dia e acabou por se gastar”, contou.
A vivenda que construiu – uma das que mais vista faz na pequena aldeia – tem 8 assoalhadas e cerca de 15 m2. É ali que actualmente vive com a mulher, Carla Subtil e com a pequena Maria Vitória, de 4 anos. Uma bonita família que não tinha quando lhe saiu a fortuna, dado que era ainda “solteiro e bom rapaz”.
Carlos Simões recorda que, depois de lhe ter saído o totoloto, houve muita gente que se aproximou dele para lhe pedir dinheiro. E também não faltaram “moças casadoiras”, subitamente interessadas nos seus belos olhos. “Houve uma que até disse à minha mãe que lhe fazia uma permanente de graça”, diz o ex-milionário. Carlos Simões não foi em cantigas e apenas deu 150 contos para a igreja da aldeia, para agradecer a sorte.
As pessoas admiravam-se de Carlos Simões continuar a trabalhar como coveiro e, ainda por mais, continuar a utilizar a bicicleta como meio de transporte. “Não ia deixar de trabalhar. Estava a construir uma casa e sabia que o dinheiro se estava a gastar”, afiançou. A construção da nova vivenda durou pouco mais de um ano.

A tentação do jogo

A nova casa já estava construída há 2 anos quando Carlos Simões encontrou o que ainda lhe fazia falta: uma mulher. “Casei com 34 anos, um mês depois de começar a namorar”, recordou. Conheceu Carla, que trabalhava num café das redondezas, e começou a falar com ela nas viagens de autocarro. Gostaram um do outro, deram um passeio até á praia e decidiram casar. “Eu não sabia que lhe tinha calhado o totoloto e que ele vivia numa casa assim”, contou Carla ao nosso jornal, revelando que ficou surpreendida quando viu a casa do noivo pela primeira vez. “Não estava nada à espera que ele tivesse uma casa assim na aldeia”, contou a jovem. Dois anos depois nasceu Maria Vitória, a menina dos seus olhos e que agora, com 5 anos, é a sua maior riqueza.
Carlos Simões continuou sempre a jogar no totoloto e houve semanas em que gastava mais de 15 contos em apostas semanais em jogo. “Chegou a calhar-me mais algum dinheiro na lotaria e deu para comprar o berço para a minha filha”, recorda. A mulher conseguiu convencê-lo, a muito custo, a não gastar tanto dinheiro no jogo, conselho que acatou de há uns anos para cá. Actualmente, continua a apostar, com mais um sócio, numa chave de totoloto porque, tal como outros que já foram bafejados pela sorte grande um dia, acredita religiosamente que o totoloto lhe vai sair outra vez.



Homem dos sete ofícios

Mesmo depois de saber que tinha sido um dos cinco portugueses contemplados com um seis no totoloto, Carlos Simões nunca deixou de trabalhar como coveiro, profissão que exerce sem interrupção há 20 anos. “É um trabalho que não me importo de fazer. Eu costumo dizer que eles não reclamam”, refere com humor.
Actualmente, continua a dirigir-se da Peralva, uma aldeia da freguesia de Pailavo, para o cemitério de Marmelais, em Tomar. Percorreu muitas vezes esta distância, cerca de 18 quilómetros, na sua bicicleta ou então de autocarro. Homem muito trabalhador, aproveita os fins-de-semana ainda para fazer alguns “biscates”, seja a limpar-chaminés, oliveiras ou a cortar lenha com um moto-serra. Porque um homem “tem que fazer pela vida” e há trabalhos que tem que ser feitos.

(publicado na edição n.º 938 do Jornal "O Templário" a 14 de Dezembro de 2006)

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