terça-feira, 29 de setembro de 2009

Uma história de amor que nasceu numa viagem de autocarro




Há quem proteja a sua privacidade a sete chaves. Pedro de Jesus, pelo contrário, quer dizer ao mundo que reencontrou em Sílvia o amor da sua vida.

Quem diz que não há vantagens a retirar do facto de não ter carro? Pedro de Jesus, 28 anos, vigilante do Hospital de Abrantes nunca considerou que tirar a carta de condução ou ter carro era uma prioridade para a sua vida. Foi esta ideia que o levou a conhecer Sílvia Fernandes, 24 anos, que trabalha no hotel Turismo de Abrantes, por mero acaso, no autocarro que diariamente apanhavam para o trabalho. Ele subia numa paragem, ela entrava mais à frente. Nunca foram apresentados mas trataram, após a troca de alguns olhares de resolver esse pormenor.

Foi em 30 de Janeiro de 2009 mas Pedro confessa que há pelo menos quatro meses que andava a arranjar coragem para se sentar a seu lado. “Dizíamos bom dia ou boa tarde apenas e mesmo quando em sentava perto dela era sempre sem segundas intenções”, recorda Pedro que se caracteriza como uma pessoa muito extrovertida. O tema das conversas assentava, sobretudo, na vida profissional. Ele falava, ela ouvia. No outro dia, invertiam-se os papéis.

De desabafo em desabafo cimentou-se uma relação de amizade. Trocaram de número de telemóveis, combinaram tomar um chá numa superfície comercial de Alferrarede e chegaram a ir fazer compras juntos, apenas como amigos. Mas pouco tempo demorou a dar-se o clique. “Ficámos a olhar fixamente um para o outro”, recorda Sílvia no dia em que aceitaram que havia mais qualquer coisa. O primeiro beijo, de fugida, foi no autocarro.

Não foi fácil para o casal aceitar o amor de volta nas suas vidas, fruto de más experiências que ambos viveram no campo amoroso. Ele esteve a viver em união de facto vários anos, relação da qual tem um filho de seis anos. Ela divorciou-se recentemente e tem um filho de três. “O que me aconteceu foi mágico”, confessa Pedro. “Eu amo esta mulher e não consigo imaginar a minha vida sem ela”. Sílvia sorri e revela que foi o olhar dela que a conquistou. Não foi fácil voltar a confiar em alguém mas não está arrependida, realçando a forte personalidade do companheiro.

Dois meses depois de se terem conhecido resolveram juntar os trapinhos e vivem debaixo do mesmo tecto. Românticos, todos os dias trocam prendinhas e até fizeram um diário do seu namoro onde colam os bilhetes trocados ou fotografias de momentos especiais. Para que a felicidade fosse completa bastava resolver um dissabor. Pedro conta com o apoio dos pais nesta nova relação mas o mesmo não acontece com Sílvia. “Tenho pena que assim seja e que se deixem influenciar por ideias dos outros”, aponta a jovem que gostava muito de voltar a unir a família. “O que mais me entristece neste momento é ser invejado por estar com ela”, reforça Pedro.

E se antes, voltar a casar e ter filhos estava fora dos planos de cada, hoje parecem não ter dúvidas de que é o próximo passo que querem dar. “Pretendemos casar e dar uma mana aos nossos filhos. Já escolhemos o nome e tudo: Clara”, revelam com um sorriso que só os casais apaixonados conseguem mostrar.

Publicado na edição de O MIRANTE de 24 de Setembro de 2009

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Adoptou três crianças portadoras de deficiência mental e diz que se pudesse adoptava mais


Rosa Silva não sabe o que é ser mãe no ventre mas sabe, e muito, o que é ser mãe no coração.

As crianças deficientes abandonadas em instituições não fazem parte do conjunto de crianças que os pais adoptivos preferem e geralmente têm um destino diferente dos outros meninos que acabam por encontrar um lar. Maria Rosa Conceição Silva, 60 anos, natural de Abrantes mas há muitos anos a viver na vila de Constância fez a diferença na vida de Patrícia, 24 anos e dos gémeos Luís e Sérgio, de 19 anos. Os três sofrem de um ligeiro atraso mental mas, actualmente, são jovens completamente autónomos.
A conversa desenrolou-se na sala de sua casa, uma vivenda localizada junto à Escola Secundária de Constância, e em frente aos três jovens que dividiam a atenção entre a televisão e um mapa de estradas. Rosa Silva que adoptou ainda uma quarta menina, sem qualquer deficiência, e que hoje já faz uma vida independente.

Foram as circunstâncias da vida que a levaram a adoptar. O marido, de quem actualmente se encontra separada, não podia ter filhos e pelo que esta foi a solução que o coração de Rosa. Estava casada há três anos quando foi buscar a Patrícia, apenas com dois meses e meio, a uma instituição de Coimbra. Recorda que para conseguir adoptar a menina legalmente teve que lutar bastante e gastar “rios de dinheiro”. Os gémeos vieram alguns anos depois e reconhece que por serem portadores de um ligeiro atraso mental, o processo de adopção foi bem mais fácil. “Tinha uma prima que trabalhava com Manuela Eanes (Presidente do Instituto de Apoio à Criança) e fui buscá-los com quatro anos a instituição de Aveiro onde estavam internados”, recorda. Por sua vontade e não o facto de ter 60 anos, ainda adoptava mais.
Rosa Silva diz que foi o amor pelo próximo que a motivou a adoptar crianças diferentes. Sabia que não tinha uma tarefa fácil pela frente mas diz que luta pelas coisas “como uma leoa”. Ensinou-os a andar. Com eles repetiu vezes sem conta os exercícios para desenvolver a sua fala. “Temos que ser determinados naquilo que queremos”, acentua. Por isso, andou dois meses seguidos, em Rui de Moinhos (Abrantes) a ensinar o Luís e o Sérgio a subir a descer uma escada. A atravessar a rua, a aprender a reconhecer o barulho vindo dos carros e das motas. Ensinou-os a andar de autocarro mas chegou à conclusão que não vale a pena uma vez que não conseguem voltar sozinhos. “A pessoa se não quer ter trabalho com uma criança vai buscar um animal que é muito mais fácil. Com uma criança não pode ser assim”, explica. Na rua, foi muitas vezes alvo de comentários trocistas e discriminatórios mas que nunca deitaram abaixo a sua determinação.

Na sua casa diz não mudou um único móvel de sítio. Diz que os gémeos sabem fazer todas as tarefas domésticas, desde passar roupa até fazer a cama, mas é a Rosa que cabe tratar de alguns aspectos da sua higiene como cortar o cabelo, as unhas ou fazer a barba. Têm a ordem de que não podem abrir a porta a ninguém. Às vezes esquecem-se e levam um raspanete. Antes das refeições, a oração é sempre sagrada porque Rosa Silva sabe por experiência própria o que é passar privações.
Sempre rigorosa em relação à educação dos seus filhos, colocou-os numa escola de ensino regular. Nunca aceitou qualquer tipo de discriminação. “Uma vez vi que estavam a brincar fora da sala de aula em cima de um colchão e fui reclamar com a professora”, recorda não esquecendo a outra ocasião em que, vigilante como sempre, os apanhou a varrer o pátio da escola perante a passividade das auxiliares educativas. “Disseram-me que estavam ali para não perturbarem a aula. Mas onde está o amor e a dignidade?”, questiona. Chegou a escreveu ao governo a pedir professores de ensino especial para os seus filhos mas acabou por retirá-los da escola aos 17 anos. Actualmente frequentam o Centro de Reabilitação e Integração Torrejano (CRIT), em Torres Novas. O Luís está atirar o curso de cozinha e Sérgio o de agricultura. A patrícia, apesar de ser mais desenrascada do que os irmãos, também frequenta a instituição.

A vida de Rosa Silva foi tudo menos fácil. Nascida no seio de uma família humilde de quatro irmãos, começou a trabalhar com cinco anos, a caiar paredes com a mãe. Toda a vida trabalhou como mulher-a-dias até se estabelecer por conta própria, já depois de casada, gerindo um mini-mercado em Constância, aberto por debaixo da sua habitação. O negócio acabou por ir abaixo devido ao seu bom coração. “As pessoas vinham-me pedir fiado e eu dava tudo. Por pena, até deixava roubar debaixo dos casacos”, relembra. Da Segurança Social diz não receber nenhum subsídio especial por ter adoptado estes jovens, apenas o abono a que qualquer criança tem direito. Valem-lhe os rendimentos de alguns imóveis imobiliários que pôs a render.

Rosa Silva sabe que os três filhos vão depender dos cuidados de terceiros até ao resto das suas vidas. Por isso, quando notar que tem dificuldades em continuar a tê-los ao seu encargo considera a hipótese de os entregar aos cuidados do Tribunal. A união que existe entre todos salta a vista. No momento em que acedeu ser fotografada com os três filhos, os olhos de Rosa humedeceram-se enquanto coloca a mão no peito: “Somos todos muito amigos. Posso não saber o que é ser mãe no ventre mas sei o que é ser mãe, aqui, no meu coração”.


Crianças deficientes são as maiores rejeitadas no processo de adopção
Num artigo publicado em Junho deste ano, O MIRANTE dava conta que de todas as famílias candidatas a adoptar uma criança no distrito de Santarém, nenhuma pretendia ficar com uma criança deficiente. Segundo os dados da Secretaria de Estado da Reabilitação, o mesmo se aplicava aos menores que estão à guarda de instituições e possuem doenças graves. A dificuldade em arranjar pais para estas crianças é um problema para as instituições e para o Estado mas segundo declarações da secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, nada se pode fazer porque “as causas estão ligadas àquelas que são as aspirações, legítimas, dos candidatos a adoptantes”.

Publicada na edição de 20 de Agosto de 2009