quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

“Quero aprender como os outros meninos”




Mariana Lopes tem seis anos e sofre de uma doença ocular grave, causada pela atrofia do nervo óptico. Tal como qualquer outra criança, este ano entrou para a escola primária, necessitando agora de material educativo e didáctico adaptado às suas necessidades. Desse modo, certamente, que o seu futuro seria mais risonho.


Ao primeiro contacto, Mariana é uma menina como tantas outras da sua idade. Tem sempre resposta na ponta da língua e uma perspicácia que surpreende tudo e todos. É muito esperta e curiosa com tudo o que a rodeia. Só que a Mariana tem, desde que nasceu, um problema que a fez perder a vista progressivamente, restando-lhe apenas dez por cento da capacidade de visão. Um problema irreversível pelo facto deste se dar ao nível do nervo óptico, não pode ser a menina operada.
Sentada na sua secretária de plano inclinado - que precisa ainda de uma ripa para que a folha não escorregue para o chão - e com os pés apoiados em cima de uma embalagem de leite - enquanto não vem a caixa de 12 cm de suporte dos pés, já pedida à autarquia - a pequena Mariana apenas precisa que a estimulem constantemente a aprender. Por vezes, depois de fazer as tarefas que lhe são pedidas, desanima e diz que “está cansada” ou “dói-lhe a cabeça” pelo que é necessária muita persistência por parte de quem a rodeia para motivar esta criança.
Junto a ela, na sala da escola de 1.º ciclo de Santa Cita (Agrupamento de Santa Iria) estão 12 meninos e meninas, que frequentam os vários anos do ensino básico. Ouvem atentamente a simpática professora Rosa Emídio que, pacientemente, lhes ensina a lição. Bem comportada, Mariana também presta atenção e só fala quando a professora a interpela.
Hoje é o dia da letra “U” e a Mariana vai desenhá-la no quadro. “Qual é a regra?”, pergunta-lhe a professora. “Andar sempre a apalpar as carteiras”, responde a pequena que, sozinha, se encaminha até ao quadro preto, embora esteja sempre acompanhada da auxiliar de educação Patrícia Costa, que ali trabalha desde o dia 24 de Setembro, especialmente devido à presença da Mariana.
Segundo Maria das Neves Couteiro, vice-presidente e representante do 1.º ciclo do Agrupamento Santa Iria, referiu que o agrupamento tem sido incansável de modo a facilitar a integração da menina no seio escolar. “Preparámos (o agrupamento) a entrada da Mariana com um ano de antecedência e fizemos tudo o que era possível para facilitar a sua adaptação”, disse. “Solicitámos à DREL que fosse colocada uma auxiliar educativa na escola primária de Santa Cita mas alegaram que tínhamos pessoal a mais pelo que transferimos para lá uma auxiliar, que estava na sede do agrupamento”, explicou. Segundo Maria das Neves, também a autarquia iria ser contactada no sentido de proceder a obras de adaptação. “Sabemos, por exemplo, que o acesso às casa-de-banho é feito por escadas pelo que será necessária uma intervenção nesse sentido”, apontou, manifestando preocupação evidente pela situação da Mariana.

Escola necessita de obras

10H30 é a hora do lanche e do recreio. Mariana quer ir à casa-de-banho. Sozinha, segue a parede branca e desce as escadas, sempre sob o olhar atento da auxiliar. Para lavar as mãos necessita de ajuda uma vez que a torneira é muito alta. Segundo a professora Rosa Emídio, há algumas obras de adaptação a fazer para facilitar o percurso da Mariana ao WC, tendo sido já enviado um ofício à autarquia a solicitar a realização das mesmas. “As escadas tem que ser marcadas com fita adesiva anti-derrapante porque ela não tema noção de profundidade e não sabe quando começa e acaba o degrau, o corrimão tem que ser pintado de preto, é necessário tornar a altura da torneira e do lavatório acessível e têm que ser feitas pequenas obras na entrada da escola junto ao portão, de forma a facilitar a entrada da Mariana no edifício”, enumerou.
Por enquanto e segundo indicação da médica que a acompanha, as professoras ainda estão a tentar estimular o que resta da visão de Mariana pelo que ainda não aprendeu o Braille. Caso o faça a professora também terá que ter essa formação. Possivelmente, e no futuro, a Mariana vai também passar a ter que usar uma bengala para se guiar.
Apesar de todo o apoio escolar – para além da professora Rosa e da auxiliar Patrícia, Mariana conta ainda com o apoio de uma professora da área sócio-educativa (Paula Marques) e outra de educação especial (Paula Guido) – sente-se que falta à Mariana mais material que a estimule a aprender. Material que poderia e deveria ser fornecido a esta criança pela Delegação Regional Educativa de Lisboa e Vale do Tejo (DREL).
“No outro dia, pediu-me para jogar ao dominó pois tem as pintas em relevo e há o contraste do preto com o branco que é ainda o que ela vê melhor” relatou a professora adiantando que, apesar de tudo, já aprendeu muito desde que teve início o ano escolar. “É uma criança muito perspicaz e esperta a nível social e de relações públicas”, aponta Rosa Emídio. “O ideal seria haver uma professora de apoio especial só para a Mariana”, reconhece Sofia, mãe da pequena que, apesar de tudo nos diz sentir que ela “vai muito contente da escola para casa”.

Material educativo insuficiente

A pouca visão de Mariana é notada porque, por exemplo, não consegue fazer a pinta do “ i” por cima da letra ou então faz uma letra e a seguinte muito mais acima ou abaixo. Também tem dificuldade em reconhecer os desenhos que lhe são mostrados no papel. É por isso que a Mariana necessita de materiais e equipamentos que sejam adaptados às suas necessidades, tal como um caderno especial com linhas em relevo ou livros com cores contrastantes, dado que consegue distinguir ainda o preto do branco. Tudo tem que ser feito com a ajuda de uma cartolina preta recortada de modo a conseguir focar os objectos ou as letras. Numa fase posterior, um computador com um sistema de voz incorporado, para que pudesse aprender a escrever palavras e a ler, seria o ideal.
Existem lojas em Lisboa que vendem este software, para além de outro material especialmente concebido para pessoas com baixa visão ou cegueira. “Existem muitas soluções que podem ajudar mas que deverão ser testadas pela mesma para sabermos se responde ou não às necessidades específicas da Mariana”, respondeu-nos Inês Palma, Directora do Departamento de Ergonomia e Reabilitação da empresa Ataraxia - Estudos e Serviços em Tecnologias de Informação. “O que podemos ajudar é fazer uma avaliação na nossa sala de avaliação funcional com a nossa equipam especializada em deficiência visual, sem custos para a Mariana”, disponibilizou-se, referindo que, neste caso, os pais teriam que se deslocar a Lisboa. “Não sei será possível para eles. Já tivemos casos semelhantes em que a Junta de Freguesia ou Câmara Municipal disponibilizou um carro com motorista e foi feita a avaliação”, informa.
“Quero aprender como os outros meninos”, disse-nos a pequena a sorrir. E a Mariana tem todo o direito a isso. Só necessita que lhe dêem os meios, os materiais e de todo o amor do mundo.

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