terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O pintor do medo




"A minha tarefa é estudar a alma, o que equivale dizer estudar-me a mim mesmo... na minha arte tentarei explicar a minha vida e o seu significado”, escreveu um dia o pintor norueguês Edvard Munch no seu Diário de Um Poeta Louco. Munch nasceu na Noruega a 12 de Dezembro de 1963 e foi considerado “o pintor da angústia, do homem moderno, da solidão que este sente nas cidades, do amor fracassado e da morte”. Edvard Munch perdeu a mãe muito cedo, com cinco anos, vítima de tuberculose e, quatro anos mais tarde, morre a sua irmã com a mesma doença. A partir daqui o pintor inicia uma relação com a morte que o vai obcecar para o resto da vida.
De facto, quem nunca se deixou impressionar pelo mais célebre quadro de Munch, “O Grito”, talvez nunca se tenha deixado impressionar pela vida. Este é um quadro muito intenso, que reflecte a angústia deste pintor e a sua visão de existência humana. Munch descreveu a experiência que o levou a pintar esta obra em 1883, com apenas vinte anos, decorria o ano de 1883. “Caminhava eu com dois amigos pela estrada, então o sol pôs-se; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me no muro, inexplicavelmente cansado. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde preto-azulado. Os meus amigos continuaram a andar, enquanto eu ficava para trás tremendo de medo e senti o grito enorme, infinito da natureza”.De certo modo, Munch concentrou nesta obra toda a angústia humana perante o mistério insondável da morte. Pelo menos esta é a imagem mental, a imagem criada, que muitas vezes induz nos seus admiradores. A morte é o maior mistério da vida e é algo a que, nós humanos, estamos, inevitavelmente, destinados. É-nos imposta à nascença e não há nada que possamos fazer para a evitar. No quadro de Munch esta impotência do ser humano face á sua condição de ser mortal sente-se através das cores incandescentes, vivas, tumultuosas que provocam no espectador uma espécie de tontura emocional. Por isso muitos temem Munch, o pintor do medo. Porque muitos temem o confronto com a sua própria mortalidade.Segundo Anna Carola Kraube, “neste quadro as cores e as formas aumentam a força de expressão do motivo”. O Sol desaparece e o eco do grito sacode o céu e a terra . Munch utiliza um pincel nervoso e colorido que passa rapidamente de tons mórbidos a cores incandescentes. Esta técnica sugere ao espectador a inquietação e a angústia que assolava o criador durante a concepção desta obra. Kraube descreveu “O Grito” como “o desfalecimento que o homem sentia dentro de uma realidade cada vez mais complexa e confusa”. O homem contemporâneo vive dentro desta espiral, muitas vezes sem se aperceber deste facto.Em toda a sua obra, Munch parece aplicar a si um dos mandamentos do seu amigo e poeta Hans Jaeger que disse um dia que “cada um deve escrever a sua própria vida”. Munch fez mais do que isso. Pintou a vida de todos nós.

publicado na Revista "Artes de Babel", Setembro de 2003

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