quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Em cima do acontecimento

Um jornalista tem que estar sempre em cima do acontecimento”, disseram-me quando dava ainda os primeiros passos nesta profissão. Os episódios que relato em seguida provam que interiorizei bem esta lição de jornalismo. Na ânsia de tirar as melhores fotos, de conseguir captar os esgares, de não perder os bastidores dos protagonistas das histórias que acompanho, tento estar sempre na linha dianteira. Por isso, na noite em que o actual ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, recebeu a “Medalha de Ouro” da Nersant - Associação Empresarial de Santarém, deixei-me de pruridos e, perante uma plateia bem composta por centenas de personalidades, subi ao palco do auditório para fotografar o momento solene, concerteza que estragando o trabalho aos colegas de profissão que não o ousaram fazer. A foto não ficou grande coisa (nem sequer foi publicada) mas perpetua no arquivo do jornal este momento de um ângulo diferente. Lembro-me ainda de ter subido num dia invernoso, através de um trémulo e longo escadote, ao telhado do Centro de Dia do Souto, em Abrantes, para fotografar a parte que estava danificada pelo mau tempo, para surpresa do dirigente que elogiou a minha destreza. Mas do que não me esqueço mesmo foi da cerimónia de inauguração do Centro Escolar dos Casais, em Tomar. Pais, alunos, autarcas e convidados assistiam aos discursos da praxe. Eu, como quase sempre, na fila da frente, de máquina fotográfica em riste, pendurada ao pescoço. A certa altura, e talvez porque era a pessoa que estava mais perto do Padre Sérgio Santos, que procedia à bênção das instalações, ele não esteve com cerimónias e depositou-me nas mãos a Bíblia, durante dois eternos minutos, enquanto atirava as gotas de água benta aos convidados. Estarrecida pela surpresa da situação permaneci impávida mas não serena. Mais em cima do acontecimento era impossível.

* jornalista

Depoimento publicado na edição de 5 de Janeiro de 2012

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