sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A proeza de conduzir há 63 anos sem nunca ter tido um acidente



Joaquim Braz das Neves, 89 anos, antigo agente comercial percorreu milhares e milhares de quilómetros sem nunca ter tido um incidente ou apanhar uma multa.


Joaquim Braz das Neves, 89 anos, não aparenta a idade que tem. O escritório de sua casa, no centro do Entroncamento, onde se desenrola a nossa conversa, mostra que é um homem que gosta muito de ler e escrever. Tem uma letra bonita. Não tem feitio para estar parado. A esposa, Fernanda, senta-se por perto e olha sempre com muito carinho para o marido, com quem casou há 58 anos. Joaquim Braz das Neves tem algo para contar e de que poucas pessoas se podem gabar: conduz há 63 anos e nunca teve um acidente, nunca foi multado ou apanhado em infracção a conduzir. Para o comprovar mostra o certificado emitido pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que atesta que no seu registo individual de condutor “nada consta”.

A paixão pela arte de condução é notória. Por isso, Joaquim Braz das Neves conserva e mostra a fotografia que lhe tiraram junto ao seu primeiro carro, em 1930. Em seguida mostra a carta de condução que renovou no passado mês de Novembro ate 2012, altura em que terá 91 anos. “Os médicos foram bastante rigorosos comigo, sobretudo na parte da visão”, refere, explicando que, mesmo assim, lhe foram impostas algumas limitações. Não pode andar a mais de 80 quilómetros à hora e nem conduzir na auto-estrada. Há tempos escreveu para a Direcção Geral de Serviços de Viação a perguntar se seria o condutor mais antigo do país mas não obteve resposta. “Estou convencido que não há ninguém com a minha idade a conduzir”, remata.

De facto, tirou a carta em Leiria (onde tinha família), corria o ano de 1946. Tinha 26 anos Na altura, não existiam escolas de condução mas sim indivíduos com autorização para ensinar. Foi o senhor Pinto, “pessoa já de certa idade”, que o ensinou. Não havia a parte teórica, apenas a parte de condução. Praticou durante 20 lições. Chegou o dia em que o examinador se deslocou a Leiria. Joaquim Braz das Neves julgou que ia ficar mal no exame. “Fiz uma condução perfeita mas quando vou a estacionar de marcha-atrás o carro subiu o passeio. Pensei para comigo que já estava arrumado mas não”, conta a rir. Os carros, na altura, trabalhavam à manivela e quando estava frio custavam a pegar. “No Inverno era um problema para o carro pegar. Um dia estava aborrecido e com a manivela parti dois faróis”, recorda.

Uma vida na estrada

Joaquim Braz das Neves nasceu numa aldeia de Tomar, “filho de gente pobre e com mais seis irmãos”, perto da Estação de Chão Maçãs-Gare, freguesia de Sabacheira, já a caminho de Ourém. Começou a trabalhar aos oito anos e teve muitos empregos. “Agradava-me qualquer coisa que me aparecia”, conta a O MIRANTE recordando que, em certa altura, não tendo trabalho comprou uma caixa de engraxador mas que não chegou a usar. “Á noite tornei-a a vender porque tinha arranjado emprego”, recorda.

Foi, por exemplo, praticante de farmácia, empregado de mercearia, cobrador de bilhetes de autocarro e estafeta. Trabalhou no Algarve e numa firma de acessórios para indústria Vila Nova de Gaia e, mais tarde, tornou-se vendedor de peças e ferramentas automóveis. “Fiz o país do norte ao sul. Em 20 anos devo ter dado cem voltas ao país. Penso que, ao longo da minha vida, fiz mais de 1.500.000 quilómetros”, conta. Acabou por se estabelecer no Entroncamento onde abriu uma loja de acessórios de automóveis. Foi aqui que conheceu a esposa, sua empregada de escritório. “O pai dela quando soube que namorávamos tirou-a de lá e passou a trabalhar em casa”, conta. Não valeu de nada pois casaram ao fim de ano e meio de namoro. Ele tinha 31, ela 20. A cumplicidade do casal, que teve dois filhos, é notória. “ Se chegar a 8 de Abril faço 90 anos. Estou convencido que chego lá”, brinca. “Chegas, chegas”, entoa Fernanda com um enorme sorriso. Nesse dia, muito provavelmente, irão dar um belo passeio de carro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Embarcações do “Ti Fontes” dão mote a Museu da Pesca em Ortiga



Homenagem a Manuel Pires Fontes juntou uma centena de pessoas na Barragem de Belver.



A homenagem que o povo de Ortiga, Mação, fez no último domingo, 3 de Janeiro, a Manuel Pires Fontes - “o senhor dos Barcos” como alguém um dia lhe chamou – serviu de pretexto para anunciar o Museu das Artes da Pesca Tradicional de Ortiga onde vão ser perpetuados dois picaretos (embarcações típicas de Ortiga) por si construídos. Uma ideia que já tem cerca de cinco anos, tempo dedicado à recolha de algum espólio, mas que pretende agora ganhar um novo fôlego. A iniciativa, organizada em conjunto pela Associação “Os Amigos da Estação de Ortiga” e pela Liga Regional de Melhoramentos de Ortiga, juntou cerca de uma centena de pessoas na Barragem de Belver (Ortiga) numa tarde de chuva miudinha.

O futuro espaço museológico deverá ser implantado num terreno, ainda em localização e com custos indefinidos, mas seguramente dentro da freguesia de Ortiga, a mais pequena do concelho de Mação. O objectivo passa por preservar as tradições locais, aquelas que passavam de pais para filhos. Como por exemplo, a arte de construção dos picaretos. Estas embarcações são construídas artesanalmente e uma das suas características mais curiosas passa pela acentuada curvatura da proa. Para lhe moldar a forma o calafate (nome que se atribuiu ao construtor de barcos) recorre a uma técnica ancestral que utiliza a água e o fogo. Para concretizar o projecto, os dinamizadores pedem apoio à Câmara Municipal de Mação para que, através dos últimos fundos comunitários disponíveis, comparticipe a aquisição do terreno com vista à construção do espaço museológico que, para abranger peças em tamanho original, terá que ser bastante espaçoso. Presente na cerimónia, o vice-presidente da autarquia, Vasco Estrela (PSD), assegurou que a câmara tudo vai fazer para que “este anseio das pessoas de Ortiga seja uma realidade dentro de em breve”.


reportagem integral publicada na edição de 07 de Janeiro de 2010

“Puseram em cima da festa do Natal uma outra realidade: a festa do consumo”


Frutuoso Duarte Matias, 70 anos, é pároco de Tomar há quatro anos. Tem um discurso muito translúcido e emite opiniões que são, muitas vezes, uma pedrada no charco. Pessoa reservada, assume que não gosta de dar entrevistas e só após alguma insistência abriu uma excepção para conversar com O MIRANTE. Uma conversa que decorreu na sua sala de trabalho, na igreja de São João Baptista, numa tarde do único dia de folga semanal, a segunda-feira.


Estamos no Natal. O que acha da frase tantas vezes repetida nesta época de que “O Natal devia ser todos os dias”?
Acho muito bem desde que se entenda que o espírito de Natal é todos os dias. Mas o Natal é o nascimento – Natal significa nascimento – de uma pessoa muito concreta. Jesus de Nazaré que o povo de Israel, onde nasceu, reconheceu como o Messias e o enviado de Deus para dar a boa nova do amor de Deus a todos os homens. Nesse sentido, O natal é um acontecimento histórico de um dia concreto.

Há dúvidas em relação à data exacta do seu nascimento…Não sabemos exactamente o dia em concreto quando Ele nasceu. Os antigos não davam muita importância ao dia do nascimento. De resto, o calendário, quando Cristo nasceu, não era como o nosso. Não havia o dia 25 de Dezembro. A igreja escolheu o dia 25 de Dezembro porque era uma festa que já existia - a Festa do Sol Nascente – e como vemos que Cristo é que é o Sol, a luz que guia os homens celebramos o seu nascimento no dia em que o sol começa outra vez a crescer. Há um grupo de cristãos, mais do oriente que celebra o Natal uns dias depois. A 6 de Janeiro, o nosso dia de Reis.

Sente que no Natal as pessoas aproximam-se mais da fé e da igreja? Nota a igreja mais cheia?
Já foi mais. Hoje as pessoas celebram tudo muito individualmente. Preferem o seu lar, a sua família. Onde têm conforto, aquecimento, tudo de bom… As pessoas, em tudo na vida social, cada vez são mais (pausa) – eu não queria dizer mas … – são mais egoístas talvez e isolam-se muito mais. Celebram muito poucas coisas em conjunto. É por isso que hoje, mesmo no Natal, há menos pessoas nas igrejas do que há uns anos atrás. As pessoas enchem-se muito com as coisas que têm em casa e ficam-se por aí. Não dão um sentido cristão explícito, religioso a este acontecimento…

Á missa do galo vão mais pessoas mas por moda…Não muitas e as que vão, fazem-no por tradição. Outras vão também por um bocado de poesia. Mas também há quem vá por fé e por um sentimento religioso, infelizmente nem sempre muito esclarecido. Mas alguma coisa há…

Entrevista completa publicada na edição de 23 de Dezembro